Cesária Évora |
17 de dezembro de 2011
22 de agosto de 2011
Analogias
O profeta Isaías deixou sinais
de que Jesus Cristo era o Messias.
Um oráculo, em Delfos, indicou
Sócrates como o mais sábio
dos homens. Nenhum deles escreveu.
Para quê? Tanto Platão como Paulo
são apologistas insuperáveis.
Os dois morreram de morte cruel:
Sócrates bebeu da taça, Jesus
foi trespassado por uma lança.
Ambos sabiam que a morte
não é o fim, o espírito supera
a carne. Cristo morreu
e ressuscitou. A morte
de Sócrates foi um mal-entendido.
Quem sonha é porque está vivo.
Arménio Vieira
3 de agosto de 2011
Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Ferreira Gullar
1 de agosto de 2011
Os Dons...e o Poder
Ouvir falar de Mário Puzo - 1920 -1999, conduz invariavelmente ao Padrinho (a saga da família Corleone), romance, adaptado ao cinema pelo realizador, Francis Capola. A abordagem da máfia italiana é retomada no último livro desse americano de origem italiana, A Família. Uma obra que narra a vida da lendária família Borgia, mais centradamente do cardeal Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre VI). Um livro fausto e perturbante sobre os primórdios da máfia na Itália. Puzo, valendo-se do seu conhecimento da Itália profunda e da história (em colaboração com o historiador Bert Fields) e de um árduo trabalho de elaboração, deixa para a posteridade “um livro fundamental”. Em plena peste negra na Europa do Séc. XIV, com a população a ser dizimada, os homens começam a perder esperança no poder celestial e depositam a sua confiança no imediatismo terreno. Pertencer à igreja católica romana não era necessariamente sinónimo de profecia de fé e temor a Deus. Era um meio de exercer o poder, para o qual, contavam todos os subornos e favores envolvendo a aristocracia e a cúpula da igreja. A família Rodrigo Bórgia marca o Renascimento. Subornos, incesto, ambição, assassínios, traição, conspiração e luxo são os meios através dos quais os reinos, o Vaticano, as Cidade-estados que hoje fazem parte da Itália e países como França e Espanha, chegaram, mantiveram o poder e estabeleceram alianças, a todo o custo.
Puzo retrata a saga de “mais uma família italiana”, através da guerra, da arte (Miguel Ângelo, Da Vinci...), da estratégia florentina do poder (Maquiavel) e da igreja, num livro único.
“Segundo todas as aparências, dir-se-iam que apreciavam a companhia um do outro e um espectador não teria adivinhado o que ia no coração de cada um dos religiosos.Todavia o cardeal, sempre alerta e desconfiado dos Bórgia, recusou-se a beber o vinho, não fosse ter sido envenenado. Não obstante, vendo que o Papa comia com gosto, comeu também com fartura, pedindo apenas água fresca em lugar de vinho, pois a água era transparente e qualquer intenção menos clara não lhe passaria despercebida.Terminada o jantar, no preciso momento em que o Papa convidava o cardeal a reunir-se-lhe no escritório, o cardeal António Orsini agarrou-se ao estômago, amarfanhou-se na cadeira e caiu redondo no chão, com os olhos a rebolarem nas órbitas como os mares nos frescos das paredes dos aposentos do Papa. - Eu não bebi vinho, sussurou roucamente o cardeal
- Mas comeste os chocos com tinta – retorquiu o Papa.
Nessa mesma noite o cardeal Orsini foi levado pelos guardas papais a fim de ser sepultado. Durante uma missa na capela, no dia seguinte, o próprio Papa proferiu orações pela alma do cardeal e mandou-o para o céu com a sua benção.”
Mario Puzo faleceu antes de terminar este livro, o que acabou por ser feito pela esposa, Carol Gino. Esta escreve no posfácio que “Mário sentia fascínio pela Itália renascentista e especialmente pela família Bórgia. Garantia que eles eram a família do crime original... Estava convencido de que os Papas tinham sido os primeiros Dons, sendo o Papa Alexandre, o maior de todos eles”.
pura eu: republico um texto de 2007. é que venho fugindo de certas repetições ... e os tempos históricos pertencem-nos a todos! pertencem, sim.
29 de julho de 2011
A queda do monolitismo?
(...) A novidade, a grande novidade, da candidatura apoiada pela ala de Corsino Tolentino é o facto de ela resultar do fim do aparente monolitismo existente no PAICV. Ao longo da história o PAIGC/CV habituou os cabo-verdianos a uma aparência de monolitismo quase absoluto. Problemas graves, poderiam ocorrer no seu seio. Divergências muito profundas poderiam existir, mas aos olhos do público cultivava-se uma unidade monolítica. (...)
Manuel Faustino
25 de julho de 2011
JMN afronta “intriguistas”
(…) Amílcar Cabral foi assassinadu pa dirigentis di PAIGC. Ê dirigentis di PAIGC ki trai i ki assassina Amílcar Cabral, na basi di o kê? na basi di intriga. Ê guentis ki ta fla Mi ê Amílcar Cabral, mi ê PAIGC, ami n ta difendi Cabral. Má ê xefi di ses segurança, xefi di se guarda costa, dirigenti di PAIGC, ki mata Amílcar Cabral; pamodi intriga, pamodi sedi di poder, pamodi ca rispeta scolhas ke fêtu pa Amílcar Cabral ki luta, ki da sê vida, da sê sangui pa Independência de Guiné i di Cabo Verde. E n crê pidi nhôs. Nhôs pensa dia 7 de Agosto na kel sangui dirramadu pa Amílcar Cabral ki morri por causa di intriguistas, ki morri por causa di guentis ki ca ta rispeta, ke ca leal, ke ca amigu (…)
Vila Nova, 22 de Julho de 2011
Vila Nova, 22 de Julho de 2011
20 de julho de 2011
Quando se parte...
1. O texto que vai ler foi escrito por mim e publicado neste blog em Novembro de 2007. Nha Filó morreu hoje em sua residência, em S.Filipe, por volta do meio dia.
2. Sou uma mulher de poucos amores (devo ter dito uma blasfémia, mas é a pura verdade). Uma das pessoas que amo de coração completou esta semana 104 anos. Ela é minha madrinha, provavelmente a mulher mais velha de S. Filipe. Um monumento da Cidade. Felismina Mendes é o nome dessa madre, mais conhecida por Nha Filó, a dona de todas as estórias. É ainda lúcida. Mas lembra de cor algumas estórias, que de tanto repeti-las, podem nos induzir ao erro. É do encanto, apenas. A proeza de ter cruzado décadas feitas de tudo.
Ela cultiva uma relação especial com a televisão. As telenovelas, os filmes e o noticiário encantam-na. Nutre uma saudade eterna pelas estórias que conta do Dr. Teixeira de Sousa, um amigo e grande médico que também escreveu romances que ela nunca leu.
Nha Filó é um arquivo vivo... basta consultar. Uma senhora alegre que nunca teve filhos, mas cresceu com crianças à volta. Hoje, continua assim. Entram pela meia-porta, pedem água, assistem à TV, e depois se despendem. Tê manha nha Filó.
Foi conhecer a América só na década de 80, porque não quis ir antes. Muito antes, na década de 50, quando o seu pai comprou Ernestina, o barco que cruzava o atlântico com cabo-verdianos rumo à América. O pai, Henrique Mendes, e o irmão, Arnaldo Mendes, eram partes da tripulação, e desse manancial de vida, nha Filó guarda pérolas memoráveis.
Felismina Mendes sempre permaneceu em S.Filipe à espera das estórias que chegavam para depois partirem. E continua lá, à espera do tempo…
fotu: Fausto do Rosário
17 de julho de 2011
Pulp Fiction (Quentin)
16 de julho de 2011
Txota Soares morreu
Txota Suares, o exímio tocador de gaita “berdiano”, natural do Tarrafal, foi, de facto, homenageado no passado Sábado, pelo Ministro da Cultura, Manuel Veiga. Foi uma cerimónia simples e directa, abençoada pelos músicos e amigos do homenageado, Kaká Barbosa, Codé di Dona e Lela Violão.
Tabanka “Tchada Grandi” e “batucaderas di monti agarro” também agraciaram o acto com uma pitada do que de melhor sabem fazer. Foi um momento alto que congregou, no mesmo espaço, vários personagens e manifestações que enformam a nossa cultura tradicional. (Os Momentos; 24 de Dezembro de 2004)
nota pura: Tchota Soares morreu ontem aos 78 anos vítima de doença prolongada
12 de julho de 2011
Lucidi Comunicazione
1. Aprecio o modo lúcido (ácido ou não) como Corsino Tolentino fala das questões comunicacionais em Cabo Verde, mais concretamente de um ou outro desempenho dos media; a forma fluente como articula sobre os meandros, o jeito despretensioso como percorre as gramáticas. Isso, vis-a-vis às opiniões, muitas, desenquadradas e confusas que se nos oferece sobre a área em questão. Não existe pretensa crítica (analítica), mas sim crítica, e a liberdade de se gostar ou não de uma determinada prestação. Concluindo: de Corsino Tolentino se ouviu das poucas análises consequentes sobre o debate presidencial que aconteceu na TCV no passado dia 6 de Julho. Confiram no programa Visão Global no site da RTC.
2. Quando, mas quando é que os gabinetes de imagem, assessorias de imprensa e semelhantes irão perceber que um plano ou práticas de comunicação e divulgação eficientes não são aqueles que promovem os directores e os ministros, mas sim aqueles (outros) que fornecem informações pertinentes, claras, traduzidas, úteis, atractivas… enfim, de utilidade?! É desesperante estar à procura de informações e só dar de cara com notas de actividades do director/ do ministro (sempre acompanhadas da tal fotografia dos próprios). Uma cultura de propaganda que só entorpece as Instituições.
3. Da análise de Corsino Tolentino, apenas discordo de uma nota: quem no debate esteve demasiado preso a alguma coisa que não as presidenciais foi Manuel Inocêncio. O tempo que o separa do cargo de ministro das infra-estruturas do governo de José Maria Neves, e a intensa cumplicidade partidária que os une não contribuem para o desembaraço que vai precisar nestas campanhas. O seu próprio discurso o trairá, sempre. Mas eleições em Cabo Verde já se ganha com outros trunfos, e o candidato do primeiro-ministro tem margens para ser o próximo Presidente da República. Mas que não venha propalar a fé na cidadania. Será forçado!
2. Quando, mas quando é que os gabinetes de imagem, assessorias de imprensa e semelhantes irão perceber que um plano ou práticas de comunicação e divulgação eficientes não são aqueles que promovem os directores e os ministros, mas sim aqueles (outros) que fornecem informações pertinentes, claras, traduzidas, úteis, atractivas… enfim, de utilidade?! É desesperante estar à procura de informações e só dar de cara com notas de actividades do director/ do ministro (sempre acompanhadas da tal fotografia dos próprios). Uma cultura de propaganda que só entorpece as Instituições.
3. Da análise de Corsino Tolentino, apenas discordo de uma nota: quem no debate esteve demasiado preso a alguma coisa que não as presidenciais foi Manuel Inocêncio. O tempo que o separa do cargo de ministro das infra-estruturas do governo de José Maria Neves, e a intensa cumplicidade partidária que os une não contribuem para o desembaraço que vai precisar nestas campanhas. O seu próprio discurso o trairá, sempre. Mas eleições em Cabo Verde já se ganha com outros trunfos, e o candidato do primeiro-ministro tem margens para ser o próximo Presidente da República. Mas que não venha propalar a fé na cidadania. Será forçado!
10 de julho de 2011
Rios...
De volta com a ternura e a poesia dos dias claros. No leito do poeta maior, driblando o aperto de um outro momento “dos eleitos” que obriga a que os olhares se encolhem e rimam em claques de crenças viciadas e batinas ultrapassadas. Ventos que incitam as águas a banharem (de líquido) o leito. De volta da funda ribeira e do largo lago de sonhos errantes.
Rejeitando os rios… eles não têm nomes. (pura eu)
ESCÁRNIOS
Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes, entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.
Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das revistas esses que sob a árvore nutriz escavam com seus focinhos as raízes. (Maiakóvsk)
31 de maio de 2011
16 de maio de 2011
Cabo Verde: antologia de poesia contemporânea
Dia 19 de Maio, na Universidade Estácio de Sá/Rio de Janeiro, Ricardo Riso ministra a palestra para os alunos do curso de Letras: A POESIA DE CABO VERDE. Na sequência haverá o lançamento de “Cabo Verde: antologia de poesia contemporânea”, de Ricardo Riso (Organizador).
REVISTA ÁFRICA E AFRICANIDADES
Ano III, nº 13 – maio de 2011 – ISSN 1983-2354
CABO VERDE: ANTOLOGIA DE POESIA CONTEMPORÂNEA
António de Névada – Carlota de Barros – Danny Spínola – Dina Salústio – Filinto Elísio – José Luis Hopffer C. Almada – Margarida Fontes – Maria Helena Sato – Mario Lucio Sousa – Oswaldo Osório – Paula Vasconcelos – Vasco Martins – Vera Duarte
ILUSTRAÇÕES
Abraão Vicente e Mito Elias
ORGANIZAÇÃO
Ricardo Riso
6 de maio de 2011
Bandeira’l praia di São Filipe…das personagens também.
Nhô Sopa e eu. |
Bandêra di Praia era a bandeira dos escravos, que depois da bandeira grande (restrita e elitista) juntava o povo na praia de Bocarrom, daí esse nome “Praia”. É o que nos conta João José Lopes Silva (Jota Jota), um dos nomes incontornáveis da história recente da Bandeira de San Filipe. Discorria-se sobre isso em casa de Nhônhô di Ilda, (no passado, um dos famosos jóqueis da Bandeira), na zona de Lém.
Há três anos, esses dois emblemáticos senhores decidiram reerguer a Bandeira di Praia di cá Cumanzinha (senhora já falecida que promoveu a festa durante muitos anos). À mesa, xerém e bode, e depois o tradicional caldo de bode e cuzcuz (prato de pobre). À volta dessa mesa simples, mas simbolicamente rica, estão alguns dos verdadeiros fazedores das bandeiras do Fogo: Waldomiro Dias, Idalina, Daniel Alves (Nhô Sopa), Nataniel e muita juventude. Espontâneos e alegres contam as mais diversas e rocambolescas histórias. À volta dessa mesa, onde todos são servidos, os significados e significantes da bandeira se confluem e sustentam a boa memória de vidas e passagens.
Waldomiro Dias gaba-se de nunca colocar na sua boca um gole de bebida alcoólica, e de cumprir rigorosamente o horário de refeição. Uma vida regrada a explicar tamanha lucidez e vigor. Já Idalina assume que o seu “alimento é uísque”. Essa dama, de 89 anos, confessou-nos que está pronta para ir colar em Washington. O visto de entrada nos Estados Unidos foi um presente de aniversário que ela conquistou sem esforço pelo seu jeito desembaraçado de ser. É o grupo de coladores e tamboreiros das bandeiras do Fogo que tem viajado frequentemente para o estrangeiro para mostrar os toques deixados por Tchitchiti (o criador dos diferentes toques de tambor das bandeiras). Neste momento, Waldomiro Dias, tamboreiro chefe, ministra aulas de toques de tambor a dezenas de alunos. Muitos chegam de fora.
Curioso! Nhô Sopa, o eterno colador, não esteve desta feita na Bandeira Grande, mas não podia faltar à festa de Praia. Com vista fraca, pernas trémulas e voz rasgada recebeu de forma inconfundível os seus confrades que vinham de longas jornadas de colaçan. Recebeu-nos, também a nós, que depois de alguma bizantinice e non sense em torno da Bandeira Grande, ansiávamos por um momento genuíno com sabor à real bandeira.
A forma de colar de Nhô Sopa continua singular: trepidante e contagiante! Um colar diferente, diríamos até indescritível, que nos cala fundo.
fotu: Fausto do Rosário
24 de abril de 2011
Domingo de Páscoa
Crónica de Domingo de Páscoa para Margarida Fontes, Manuel Alves e Daniel Lobo
Anteriormente guardada numa das sacristias, geralmente a de baixo onde também se confessava, hoje colocada na nave central da Igreja Matriz de São Filipe, a imagem de Nosso Senhor dos Passos impressiona pela sua imponência e pela sensação de dor que transmit...e: num estrado de mogno de quase dois metros de largo, o Filho de Deus feito Homem, vergado sob o peso de uma enorme e negra cruz de madeira, vestido com uma túnica púrpura que lhe cobre todo o corpo, a fronte rasgada pela coroa de espinhos, os cabelos desgrenhados e o olhar vítreo de quem já antevê a morte, arrasta-se penosamente para a remissão dos nossos pecados e para que um dia o possamos ver regressando em Todo o Seu esplendor e Glória.
As histórias á volta desta imagem são inúmeras a começar pelo seu peso de mais de duzentos quilos exigindo, por vezes, exercícios de autentico malabarismo durante o seu percurso pelas ruas íngremes de São Filipe no dia da procissão. Antigamente, como nos dá conta Teixeira de Sousa num dos seus melhores contos, “O Encontro”, as ruas eram regadas e os notáveis do burgo que disputavam o privilégio e a honra de transportarem o Filho de Deus, não o prazer pois nos dias seguintes teriam de tratar dos ombros esfolados, apoiavam-se em rijos cajados não fossem escorregar e, desta arte, aumentar o sofrimento de Nosso Senhor, escaqueirando-o todo nas pedras basálticas da calçada. Foi, aliás, com um desses cajados que um dos carregadores, esquecendo-se da nobre missão que desempenhava, furioso com as invectivas que em surdina lhe dirigia uma senhora que na fila se encontrava, não se conteve e descarregou-o com toda fúria na cabeça da coitada causando-lhe a morte e desencadeando uma sucessão de acontecimentos e animosidades que até hoje tem eco no tecido social de São Filipe.
Em meados da década de setenta do século passado pontificava na cidade um individuo de cor negra, hercúleo e valente, pescador de profissão e guarda-redes aos Domingos, nos sempre rijamente disputados “Académica versus Benfiquinha”, onde, nas balizas deste ultimo, a sua agilidade impressionava. Brigão, raro também era o fim-de-semana em que não se envolvesse em confronto com os poucos agentes da polícia de então… De uma das vezes, em plena quermesse na Praça “João Paes”, tiros para o ar interromperam bruscamente o coro de risos e a música que vinha do coreto: de pistola em punho, dois agentes desciam as escadas perseguindo o vulto negro e ágil que a uns bons cinquenta metros á frente, subitamente, enfiou-se por uma das portas laterais da Igreja Matriz, deixando, toda a gente espantada pois, encontrando-se as outras portas fechadas, seria presa fácil para os homens da lei que esbaforidos, momentos depois entraram pela casa de Deus adentro fazendo ressoar as suas botas no velho soalho. Todavia, minutos depois voltavam a sair, perplexos e desorientados: do indivíduo, nem fumo… Evaporara-se simplesmente… Tinham procurado em tudo quanto era sitio, até nas torres, atrás do altar e do velho relógio, dai estarem cobertos de poeira… Apareceu o padre, alertado por tamanho burburinho… Também procurou… Nada… Deve ter pulado a janela, aventou alguém… Mas um simples olhar para a altura das mesmas dava conta do absurdo de tal hipótese…
Nunca se percebeu porque artes e outros tantos milagres teria o energúmeno desaparecido das malhas da lei… Até que, há dias, mais de trinta anos passados, tendo-o encontrado numa visita, já sem o vigor e a irreverência de outrora, mas sempre bem-disposto, não me contive e perguntei-lhe:
- Preto, aonde foi que te meteste, naquele dia, na igreja, que a policia por mais que te procurasse não conseguiu encontrar-te?
A face negra iluminou-se, os dentes alvos abriram-se num largo sorriso e a resposta que se seguiu, fez-me descoser numa gargalhada que fez com que as caras sérias dos que nos rodeavam se virassem reprovadoramente:
- No único lugar aonde não me iriam procurar: debaixo da túnica de Nosso Senhor dos Passos… Que policia teria a coragem de arregaçar as vestes de Nosso Senhor?...
por: Fausto do Rosário
Poema novo
Tem dias que estou botânica, afoita à flor, assim rosa.
Tem dias que estou em doida, adormecida, de ambulante.
Tem dias que estou radioactiva, átomos de versos, bomba.
Animal, às vezes de lasciva, outras vezes em toca e troca.
Mulher, que dentro me passeia, em sua estranha prosa.
Poeta que se evade da matéria, em tanta pedra, sou eu.
Poeta dos dias em que estou, afoita à dor, enfim rosa.
pura eu
22 de abril de 2011
Vamos celebrar a Bandeira
Eu, e Waldomiro Dias, Tamboreiro chefe |
"Os momentos" foi durante anos um portal de divulgação cultural, e as Bandeiras da Ilha do Fogo sempre foram abordadas neste sítio. Primeiro, porque são manifestações tradicionais de uma riqueza cultural e simbólica que extravaza a ilha; segundo, pela movimentação que provocam, constituem um motivo incontornável de união da nação global cabo-verdiana.
Hoje, apenas uma identificação pessoal traz-me para esta conversa sobre a Bandeira de S.Filipe. Um convite emotivo, diria!
S.Filipe, na segunda quinzena de Abril, distancia-se, de todas as formas, da cidade pacata do dia-a-dia que todos conhecemos. Diariamente, nesta época, chegam "a bila" uma média de 300 pessoas; as pensões e os hotéis ficam super lotados, as ruas enchem-se, a noite a o dia confundem-se! É simplesmente maravilhoso.
A Bandeira de S.Filipe coincide com a festa do município que também culmina no dia 1º de Maio. A Casa da Bandeira e a Câmara Municipal, cada um a seu modo, e numa espécie de concorrência, programam os cerca de 8 dias de festa, e as pessoas escolhem.
Os bailes no presídio, da responsabilidade do município, movimentam milhões a cada ano que passa, e o público corresponde; assim como as corridas de cavalo, e as partidas de futebol.
Apesar dessa disputa programática, o lugar simbólico da Bandeira de S.Filipe (as tardes de pilon, o sentido de promessa, a fé no Santo, os rituais, os personagens) resgata-se e preserva-se a cada ano que passa, e os festeiros têm feito um grande esforço nesse sentido.
Entretanto, continua a ser esse o desafio maior dos cultores das bandeiras: reinventar a fé, motivar os mais jovens e celebrar com sentido de pertença o legado dos nossos ancestrais. De recordar que além de S.Filipe, as bandeiras de S.Pedro, S.João e Santa Cruz são as mais celebradas na Ilha.
Bem haja, Bandeira de S.Filipe, uma festa que sintetiza a riqueza cultural de Cabo Verde, traduz a simbiose antropológica destas ilhas, e a comunhão de uma nação dispersa, mas cada vez mais convergente na sua idiossincrasia. Vamos todos celebrar a Bandeira.
19 de abril de 2011
Flash (black)
Marc Cary |
(...) Sinto uma forte melancolia, um sentimento especial e inesperado quando ando pelas ruas desta cidade. Confidência de Alain Jean-Marie. O pianista de Guadalupe disse que irá transformar esse estranho sentimento em música.
"Cresci com cabo-verdianos em Rhode Islands"... (Marc Cary, pianista da banda de Cindy Blackman Santana)
(...) what a beautiful place and such warm lovely people. Can´t wait to come back! (Cindy Blackman Santana sobre Cabo Verde)
17 de abril de 2011
11 de abril de 2011
Festival Vis a Vis vai ser anual
Banda Ex-Pavi, um dos vencedores do concurso |
Cabo Verde recebeu na semana passada o Concurso Vis-a-Vis, iniciativa da Casa de África, numa parceria entre cabo-verdianos e espanhóis (com várias instituições envolvidas), visa recrutar novos talentos cabo-verdianos do mundo da música. Esta primeira edição escrutinou mais de cem concorrentes para uma selecção de 16 propostas artísticas. Sobressaiu deste certame, que não deixou de ser inédito nestas paragens, a variedade das ofertas musicais em palco e ficou patente que os artistas cabo-verdianos percorrem hoje um vasto naipe de estilos e géneros, dos tradicionais aos contemporâneos. Outro aspecto a sublinhar nesta espécie de casting alargado, que aconteceu na Praça Luis de Camões no Plateau, foi a montagem dos espectáculos com interacção do público que, em certos momentos, reagiu como se um festival de música se tratasse. A par disso, a 'movida' criada na Cidade da Praia, em véspera do Kriol Jazz Festival.
O Director da Casa de África, Armando Rua, diz-se fascinado com Cabo Verde, com o potencial artístico dos jovens, e com a diversidade encontrada nestas paragens no domínio da música. É por essa razão que, adiantou-nos "o ministro da cultura decidiu fazer um festival Vis a Vis todos os anos em Cabo Verde". Os programadores e agentes musicais presentes no certame também partilham do fascínio.Do concurso, duas bandas vão ser selecionadas para espectáculos em Espanha.
Fotus: Casa de África
4 de abril de 2011
Claire Andrade-Watkins: um abraço à Terra Mãe
Claire Andrade-Watkins |
"Some Kind of Funny Porto Rican? A Cape Verdean American Story” (SKFPR ). Este filme mereceu uma nota há poucas semanas nesta página, mas o melhor estaria certamente por vir, depois de uma conversa com a cineasta, Claire Andrade-Watkins. Cabo-verdiana de segunda geração, professora na Emerson College, docente visitante na Brown University, e fundadora /directora de SPIA Media Produções.
No começo da nossa conversa quisemos saber quais as razões, à par do fazer cinema, que ditaram a estrada desta tão aclamada e tocante produção. Um filme que conta a saga dos cabo-verdianos em Fox Point, estado de Rhode Islands. Da sua fundação pelos cabo-verdianos à sua destruição, por motivos de urbanização, ela desfia a história de Fox Point.
Num universo onde as minorias nunca foram protagonistas, Andrade-Watkins quis quebrar as regras e contar a memória do seu povo em primeira pessoa - literalmente, é o que faz ela no filme. “Na qualidade de estudante de história /PhD, passei a conhecer o peso da história “oficial”. Aprendi que quem escreve uma história escolhe um roteiro.” É isso que Claire Andrade acaba por fazer em Some Kind of Funny Porto Rican? A Cape Verdean American Story. Resgata a memória, a história e a cultura de um povo atlântico que se aventura num universo estranho e reinventa uma identidade complexa e em permanente busca de integração.
A comunidade, a memória ...
Demolição da casa de Mamai Alves 88 Alves Way - último simbolo da comunidade CV em Fox Point |
A primeira reacção ao filme foi na própria comunidade que recebeu o documentário como um “sólida reflexo da sua voz, memória e história”. O filme foi um fenómeno, diz Andrade-Watkins. Muitos dos participantes desse trabalho, que durou 10 anos a produzir e ficou pronto em 2006, já faleceram e isso, acrescenta ela, empresta cada vez mais o valor ao trama.
O contacto permanente com a comunidade aquando da produção do filme foi importante, admite a autora. Houve até episódios curiosos. “Muita gente teve problema com o título Some Kind of Funny Porto Rican? De todo o modo, isso reflecte a percepção que se tem de nós nos Estados Unidos. Mas graças à contribuição da comunidade, chegamos ao acrescento: A Cape Verdean American”, diz Claire.
os momentos: Vejo que as questões da memória e da identidade caminham juntas nos teus projectos de cinema. Como esse tipo de trabalho pode contribuir para o debate sobre a identidade real, na diáspora e nas ilhas?
Claire Andrade-Watkins: Antes de mais, precisamos desmistificar percepções e confusões que foram projectadas em nós particularmente nos domínios de raça, identidade e história. Um dia havemos de estar cansados da discussão sobre “What are you”?
A mensagem dos trabalhos de Claire Andrade Watkins, vídeos e não só, passa por explorar a riqueza de valores (amor, fé, família, tenacidade, honestidade e trabalho) da comunidade cabo-verdiana nos Estados Unidos, captando as nuances e a força dessa diáspora multi-geracional e global.
“The universal parts of who we are as interpreted through the eyes/mind/soul of someone born and raised in this remarkable community”, remarca.
Portal Atlântico
O actual filme da realizadora, Portal do Atlântico, obedece a mesma linha de pensamento: é o segundo filme de uma trilogia de documentários, depois de Some Kind of Funny Porto Rican, este filme fala dos cabo-verdianos hoje, mais concretamente daquilo que se perdeu e do esforço que se faz para manter o sentido de comunidade apesar da destruição de Fox Point.
Claire Andrade-Watkins faz uma profunda e enigmática discrição do seu novo filme. “Portal do Atlântico faz a história regressar a Cabo Verde em busca de “casa” apenas como meio de voltar a Fox Point, com a consciência de que ser cabo-verdiano é um estado de espírito e não apenas um endereço postal.
“A derradeira oportunidade de recapturar a história por parte daqueles que foram os guardiões da memória, da história, da cultura e da herança cabo-verdiana em Fox Point. Portal do Atlântico é um dos três recursos sobre essa genuína comunidade, a sua história de imigração, de deslocamento e de esperança”, completa.
Parada de Santo António em Fox Point (2009) |
Perante esse entrecruzar de memórias, em que o espaço ganha um lugar no desenho da identidade, quisemos saber como é que a segunda geração vive Fox Point, como a sua memória pulsa por Cabo Verde nos Estados Unidos.
“Aqueles da segunda geração, como eu própria, continuam a ter uma forte noção da cultura, língua e ligação com a primeira geração, nossos pais. Mas estamos preocupados com a terceira e com a quarta gerações. Sim, em Fox Point estamos a caminhar para a sexta geração. Muitos de nós, estamos empenhados em documentar e preservar a nossa história/memória e cultura. Muitos dos cabo-verdianos de origem como eu que já caminhamos para mais de 40 anos, devido à deslocação, regressamos e estamos a trabalhar arduamente para reclamar a nossa memória/história/ e legado para as futuras gerações. É uma batalha, penso!”
Claire Andrade-Watkins reconhece que o passado de Fox Point já foi. Mas acredita no futuro, e é nesse sentido é que pertence ao grupo que trabalha incansavelmente para um dia fazer a comunidade regressar a Fox Point.
Cinema nosso
O trabalho de Claire Andrade.-Watkins não se restringe à sua comunidade. Também ensina o cinema africano-americano e o cinema da diáspora africana, incidindo sobre as fórmulas de produção de documentários independentes. O seu mais recente trabalho académico publicado foi um ensaio sobre Ousmane Sembene e o cinema africano, nas edições Samba Gadjigo, Sada Niang Dakar, Senegal, Dakar,Senegal: Editions Papyrus Afrique, 2010.
Por fim, o cinema, cabo-verdiano/africano! Que cinema é esse? Cinema, enfatiza a realizadora quer dizer produção, exibição e distribuição por cabo-verdianos/africanos. Não é este o caso, e o grande desafio “para nós, é criar um cinema (uma mídia) com nossa voz, nossas histórias, e nossa audiência”. O grande desafio para Cabo Verde, para África.
Portal Atlântico está em fase de pós produção e a sua finalização está aberta a contribuição de todos através do conceito (kickstarter). Um projecto ambicioso, cujo modelo de produção pode servir de referência para projectos futuros similares.
"A Cultura é o produto importante do século XXI. Por isso, os cabo-verdianos não podem perder o seu filão cultural, sob pena da alienação. Para os cabo-verdianos da Diáspora, Cabo Verde será sempre a Mãe Terra. Cabo Verde tem a responsabilidade de perceber que uma grande comunidade identitária beneficiará todos nós na Nação Global Cabo-verdiana." Claire Andrade-Watkins, a primeira cineasta do mundo Cabo-verdiano.
28 de março de 2011
Carlos Matos: Crioulidade na Conservatória
“Os momentos” conversou com o pianista e professor de música Carlos Matos via facebook. Ele, na sua residência na Holanda, e nós, por cá, algures, no arquipélago.
Aos 5 anos, quando acompanhado da mãe foi assistir a um show do grupo Voz de Cabo Verde, soube que rumo dar à sua vida. Queria ser músico e um homem do piano. Começou a estudar música aos 9 anos. Fez conservatória, basicamente para música clássica, mas veio despertar-se para a música cabo-verdiana bem depois, após um repto da própria conservatória. Do retorno às raízes, Matos leva a música cabo-verdiana à conservatória, e surge o primeiro projecto World Music Orchestra Codarts de que se torna maestro.
O músico que admite que na adolescência “não gostava da música de Cabo Verde”, descobriu depois um mundo de possibilidades rítmicas, estéticas e culturais. “Eu descobri que você pode desenvolver a música cabo-verdiana, em muitos aspectos”, diz. “Comecei, em 1995, com a minha primeira banda acústica Nostalgia onde aprendi o básico da música cabo-verdiana tradicional, e descobri as minhas raízes, não apenas como músico.” Em termos de banda, integrou ainda os Koladance e o emblemático grupo Rabelados. No seu percurso, além de vários artistas e bandas estrangeiros, Matos já acompanhou nomes nacionais como Luis Morais, Ildo Lobo, Titina, Boy Ge Mendes, Tito Paris e muitos outros.
Cabocubajazz, a Banda, o Disco
Em 2008, com o famoso percussionista alemão Nils Fischer, ele funda uma banda e agora veio o primeiro disco: Cabocubajazz - Rikeza e Valor. Pela plástica e pela gramática, sem perder-se das raízes todas, este disco materializa o pensamento musical de Matos. Ritmos juntos, cubanos e cabo-verdianos, todos crioulos; jazz é cabo-verdiano, mas é também cubano. As vozes também são partilhadas: Dina Medina, Grace Évora e o colombiano Alberto Caicedo. A banda também é uma amálgama de nacionalidades: Sérvia, Colómbia, Estados Unidos, Senegal, Alemanha, Curaçao e, claro, Cabo Verde.
A experimentação permanente que sela a carreira do pianista também está plasmada no seu primeiro disco, Caboverdianismo.
Formação musical
Carlos Matos, filho de pais cabo-verdianos, nasceu há 39 anos, e sempre viveu na Holanda. No próximo ano prepara-se para rumar às ilhas e ensinar música na Universidade de Cabo Verde. O Pianista tem um olhar muito preciso sobre a música cabo-verdiana. Entre nós, grava-se muito, mas não é o suficiente, entende.
“A chave do desenvolvimento da nossa música é a EDUCAÇÃO. Estamos conscientes de que a nossa música é reconhecida mundialmente por causa de Cesária Évora e outros, agora é a hora de preparar a nova geração com a nossa música tradicional. Organizar workshops, masterclasses com grandes guitarristas como Báu, Voginha, Kim Alves, Paulino Vieira, pianistas como Tututa, Chico Serra e Toy Vieira. Se não começarmos agora, dentro de 10 a 15 anos algum conhecimento desaparecerá.”
É nesse sentido que o pianista desenvolve um projecto de ensino para as crianças; a ideia é encontrar métodos adaptados para tocar a coladeira e a morna. “Como é que o povo japonês pode cantar jazz e fado? Porque existem livros e professores!” É o exemplo que nos deixa.
O Rumo, a estética
O pianista demonstra uma visão positiva sobre o rumo da música cabo-verdiana, mas também fala em alguma inquietação. “Estamos numa fase em que começamos a ser maduros nas escolhas artísticas, o que é bom. Não temos mais a necessidade de copiar o zouk, por exemplo, para torná-lo nosso. Gostaria que voltássemos mais às nossas raízes, para criar algo novo a partir daí. É como uma língua: se você quiser jogar com a gramática, você tem que conhecê- la bem, certo? Miles Davis disse uma vez: If you want to break the rules, you have to know them first!”
Carlos Matos tem em Luís Morais a imagem de uma figura paterna. “Ele incorpou a música cabo-verdiana”. O legendário instrumentista é primo de Carlos Matos, o nosso, hoje, homem do piano.
Carlos Matos |
“Os momentos” conversou com o pianista e professor de música Carlos Matos via facebook. Ele, na sua residência na Holanda, e nós, por cá, algures, no arquipélago.
Aos 5 anos, quando acompanhado da mãe foi assistir a um show do grupo Voz de Cabo Verde, soube que rumo dar à sua vida. Queria ser músico e um homem do piano. Começou a estudar música aos 9 anos. Fez conservatória, basicamente para música clássica, mas veio despertar-se para a música cabo-verdiana bem depois, após um repto da própria conservatória. Do retorno às raízes, Matos leva a música cabo-verdiana à conservatória, e surge o primeiro projecto World Music Orchestra Codarts de que se torna maestro.
O músico que admite que na adolescência “não gostava da música de Cabo Verde”, descobriu depois um mundo de possibilidades rítmicas, estéticas e culturais. “Eu descobri que você pode desenvolver a música cabo-verdiana, em muitos aspectos”, diz. “Comecei, em 1995, com a minha primeira banda acústica Nostalgia onde aprendi o básico da música cabo-verdiana tradicional, e descobri as minhas raízes, não apenas como músico.” Em termos de banda, integrou ainda os Koladance e o emblemático grupo Rabelados. No seu percurso, além de vários artistas e bandas estrangeiros, Matos já acompanhou nomes nacionais como Luis Morais, Ildo Lobo, Titina, Boy Ge Mendes, Tito Paris e muitos outros.
Cabocubajazz, a Banda, o Disco
Em 2008, com o famoso percussionista alemão Nils Fischer, ele funda uma banda e agora veio o primeiro disco: Cabocubajazz - Rikeza e Valor. Pela plástica e pela gramática, sem perder-se das raízes todas, este disco materializa o pensamento musical de Matos. Ritmos juntos, cubanos e cabo-verdianos, todos crioulos; jazz é cabo-verdiano, mas é também cubano. As vozes também são partilhadas: Dina Medina, Grace Évora e o colombiano Alberto Caicedo. A banda também é uma amálgama de nacionalidades: Sérvia, Colómbia, Estados Unidos, Senegal, Alemanha, Curaçao e, claro, Cabo Verde.
A experimentação permanente que sela a carreira do pianista também está plasmada no seu primeiro disco, Caboverdianismo.
Formação musical
Carlos Matos, filho de pais cabo-verdianos, nasceu há 39 anos, e sempre viveu na Holanda. No próximo ano prepara-se para rumar às ilhas e ensinar música na Universidade de Cabo Verde. O Pianista tem um olhar muito preciso sobre a música cabo-verdiana. Entre nós, grava-se muito, mas não é o suficiente, entende.
“A chave do desenvolvimento da nossa música é a EDUCAÇÃO. Estamos conscientes de que a nossa música é reconhecida mundialmente por causa de Cesária Évora e outros, agora é a hora de preparar a nova geração com a nossa música tradicional. Organizar workshops, masterclasses com grandes guitarristas como Báu, Voginha, Kim Alves, Paulino Vieira, pianistas como Tututa, Chico Serra e Toy Vieira. Se não começarmos agora, dentro de 10 a 15 anos algum conhecimento desaparecerá.”
É nesse sentido que o pianista desenvolve um projecto de ensino para as crianças; a ideia é encontrar métodos adaptados para tocar a coladeira e a morna. “Como é que o povo japonês pode cantar jazz e fado? Porque existem livros e professores!” É o exemplo que nos deixa.
O Rumo, a estética
O pianista demonstra uma visão positiva sobre o rumo da música cabo-verdiana, mas também fala em alguma inquietação. “Estamos numa fase em que começamos a ser maduros nas escolhas artísticas, o que é bom. Não temos mais a necessidade de copiar o zouk, por exemplo, para torná-lo nosso. Gostaria que voltássemos mais às nossas raízes, para criar algo novo a partir daí. É como uma língua: se você quiser jogar com a gramática, você tem que conhecê- la bem, certo? Miles Davis disse uma vez: If you want to break the rules, you have to know them first!”
Carlos Matos tem em Luís Morais a imagem de uma figura paterna. “Ele incorpou a música cabo-verdiana”. O legendário instrumentista é primo de Carlos Matos, o nosso, hoje, homem do piano.
27 de março de 2011
Cabo-verdiana mulher...
I (...)
II
A minha mãe vendia pão ao luar
E mel às crianças da beira-mar
Pagavam moeda
Moeda de carvão
E marulho da moeda
no mergulho do mar alto
E por vezes
A fidúcia do rosto
sem timbre de selo branco
III
Antes da manhana
Ela ia
De baía em baía
peregrina
Amando
no útero das veias
a voz uterina dos navios
Na ilha
A minha mãe é ilha nua
Por Dezembro rasgando
o seu inverno chita.
Corsino Fortes
26 de março de 2011
Falal Manu...
pura eu: diálogo intergeracional...Dj Baby T, Boy Ge Mendes, Mark G, e Manu Lima: é o futuro.
23 de março de 2011
Morna
“Canto que evoca
coisas distantes
que só existem
além
do pensamento,
e deixam vagos instantes
de nostalgia
num impreciso tormento
dentro
das nossas almas…
Morna
desassossego
voz
da nossa gente,
reflexo subconsciente
em nós
das vagas ao longo das praias;
(…)
musicando rapsódias em surdina
nos tectos das casas pobres…»
(teu) Jorge Barbosa
Nesta casa pobre que gostavas de visitar... agora sem ti... descanso eterno.
20 de março de 2011
Notas minhas
1. Some Kind of Funny Porto Rican. A Capeverdean American Story. Não falarei da opção estética que poderia ser tanta e inumerável para uma realizadora do calibre de Claire Andrade-Watkins. A própria faz-se de narradora e, de certa forma, personagem deste filme (cabo-verdiana americana de segunda geração). Parte da sua casa, da sua família e das suas inquietações profundamente existenciais para nos contar uma história emocionante da diáspora cabo-verdiana. Localiza Cabo Verde como espaço de identidade, narra traços fundamentais da sua história e enquadra a conjuntura socioeconómica da vaga da emigração de cabo-verdianos para os Estados Unidos. Os primeiros africanos a entrarem nos Estados Unidos fora do contexto migratório da escravatura. Lança um olhar sobre a América do século XIX, percorre os seus meandros, para depois centrar-se em Fox Point, pequena cidade no Estado de Rhode Islands - a Capverdean land. A vida desses crioulos portugueses, o trabalho, a sociedade, o lugar da música, uma malha da memória que não se reencontra jamais. O filme de Claire Andrade-Watkins é uma contribuição incontornável para a máxima da Caboverdianidade.
2. João Bosco (foto) actuou 18 de Março na Cidade da Praia, depois de o ter feito no Mindelo. Também não irei esmiuçar sobre este vulto da música brasileira. Não tendo palavras, apenas ficaria pela evasão causada. Um espectáculo memorável, cheio de poesia, palavras tácteis, boa energia e memória. É o próprio a dizer que de um povo fala pela forma como preserva e reaviva a sua memória. Aliás, o que me fascina em muitos nomes do Brasil, onde se inclui Bosco, é a forma generosa e decisiva como cantam os seus. João Bosco vindo a Cabo Verde, nos lembra Tom Jobim, Elis Regina, Dorival Caimmy, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e fá-lo numa preocupação de conjunto cultural muito para além da pura performance musical, transcendendo o canto. É um artista que convida, provoca e subverte, com profunda inquietação. Daqueles que acreditam que a vida é uma viagem de todos. E para todos. Não esquece nem da pedra (símbolo primordial), e rende homenagem aos cabralinos poetas da pedra, os do Brasil. Seria bom que ele regressasse à casa com a memória dos nossos poetas da pedra, temo-los muitos. Um deles, inclusive, cantou a pedra no seu mais recente disco - Mário Lúcio, nosso Ministro da Cultura. João Bosco continua na estrada de Manuel Bandeira e Jorge Barbosa. Essa nuance é que não se pode evadir.
3. O Governo novo toma posse segunda-feira. O ideal seria saber o que genuinamente pensam os cabo-verdianos desta nova proposta de José Maria Neves. O povo é quem mais ordena, como rezaria a emblemática canção portuguesa. Entretanto, sendo praxe, ficam os cem dias de graça para a serenidade de todos…
13 de março de 2011
Democratas...
Escrevi em dezembro do ano passado este post onde dizia que Manuel Inocêncio seria o candidato apoiado pelo PAICV, e ontem tudo se clareou. O Ministro das Infra-estruturas, transportes e telecomunicações aparentava estar demasiado confiante e sereno. Era ele o escolhido de José Maria Neves. Os sinais eram muitos. Em São Vicente, durante a campanha para as eleições legislativas, Manuel Inocêncio era referenciado como a mão invisível que dentro do partido catapultou José Maria Neves para a liderança, e na chefia do governo, o seu braço direito. Percebe-se, portanto, que Neves tinha uma dívida para com Inocêncio. Ela já foi paga. O problema está no caminho percorrido: uma dita disputa interna no seio do PAICV que revelou ser tudo, menos democrática.
Contra fortes ventos e marés, José Maria Neves, tal como fez para a presidência da mesa da Assembleia Nacional, impõe o seu escolhido. Fá-lo e remete a um sofrimento sucumbido os apoiantes de David Hopffer Almada, e sobretudo, os de Aristides Lima, já que as sondagens davam a este último uma margem confortável de apoio.
Uma notícia recente num dos jornais on-line do país dizia que José Maria Neves queria no parlamento e na presidência da república, figuras da sua confiança e sensibilidade, para uma governação sem sobressaltos. Grave!
Democracia stribilim
Numa altura em que se advinham tempos difíceis para o país, apesar da vitória stribilim nas últimas eleições, certamente, não será o momento para se fugir de dissensões. O parlamento não é um salão paroquial, e a presidência da república está longe de ser um clube de amigos. Os dossiers/pacotes nesses dois fóruns devem ser submetidos a escrutínios exigentes, à luz da Constituição, e de uma certa cultura política e institucional, para o bem da governação e da consolidação da democracia.
Poesia
"Mon pays est une Musique"...e o poeta vive, caso contrário, somos nós a morrer devagar!
6 de março de 2011
Benin em marcha democrática
O Parlamento do Benin aprovou, na sexta-feira passada, uma lei, promulgada pelo Presidente cessante Yayi Boni, que adia para 13 de Março as eleições presidenciais que estavam agendadas para este domingo. É a segunda vez que se muda a data deste pleito, depois da primeira alteração de 28 de Fevereiro para 6 de Março. Na base de toda a polémica está a lista eleitoral permanente informatizada (LEPI) com a chifra de 1 milhão e 300 mil eleitores não inscritos, instrumento introduzido pela primeira vez no país. Esta questão pontuou, quase por inteiro, os debates, durante os 15 dias de campanha.
A LEPI, segundo a oposição, a crer nas tendências regionais do voto, beneficia a força que apoia Boni Yayi. A longa marcha até ao Tribunal Constitucional (TC) organizada pelos 11 partidos coligados que apoiam a frente “União faz a Nação” de Adrien Houngbédji, principal opositor de Boni Yayi, foi o ponto alto dos protestos.
Como causa directa da decisão do TC, estará também uma solicitação de prorrogação da data por parte da Comissão Eleitoral nacional autónoma (CENA) no sentido de corrigir os problemas ligados à distribuição do cartão do eleitor e dos equipamentos, e no que concerne à localização das mesas de voto.
O Jogo democrático
As duas alterações podem parecer, a um primeiro olhar, imaturidade democrática ou excesso de improviso, mas não é. As eleições que acontecem sob o signo de desconfiança quando não acabam em crise, produzem um nível de descrença perigoso que repercute nas instituições. Independentemente das causas que estiveram na base dos não inscritos (desinteresse do eleitor, falta de verba, ou mau desempenho dos agentes recenseadores), é relevante a decisão de sua correção, ou da realização de eleições nos moldes tradicionais (sem LEPI).
Antes das eleições, o Benin saiu a ganhar, as suas instituições saíram a ganhar; o Tribunal Constitucional ouviu o claro protesto da oposição, o Governo/partido não é o todo-poderoso, a imprensa fez um trabalho raro em África. A sociedade civil está viva; ONG´s; Associações profissionais engajadas e politizadas no sentido líquido do termo.
A democracia no Benin, longe de algumas fábulas que se reproduzem acriticamente aqui, acolá, mostrou ser um sistema dinâmico, aberto, onde as instituições são interpeladas e reagem. Não é por acaso que o Canal France International decidiu, num exercício inédito, montar uma redacção em Cotonou com 6 jornalistas de diferentes países africanos, para cobrir as eleições. O próprio facto das datas terem sido duas vezes proteladas, e nós, jornalistas, não podermos cobrir o pleito que só terá lugar no dia 13 de Março, serviu-nos de lição. Sinais de uma democracia africana (...) que se consolida por caminhos próprios, claros e de forma irreversível.
1 de março de 2011
Sodade, nova versão
In November 2010, Seattle band Publish The Quest recorded 'Sodade' with Cape Verdean vocalist Laise Sanches. The song, made famous by the barefoot diva Cesária Évora, has a special meaning for all Cape Verdeans living on the islands and those in the diaspora.
nota pura: o disco vai estar no mundo este mês...
26 de fevereiro de 2011
Christian Lagnidé
Acompanhado do seu staff de comunicação, (foto) recebe-nos em sua casa com uma simplicidade notável, mas a quantidade de carros topo de gama que acolhe no pátio interior da imensa residência no bairro de JAK, agride a visão e mostra que o indivíduo afável que nos encara não se trata de um comum beninense. Falamos do ilustre empresário africano Christian Lagnidé, 47 anos, o mais jovem dos candidatos às presidenciais no Benin.
Depois de uma carreira futebolística internacional, Lagnidé decidiu lançar-se no mundo dos negócios, uma aventura de sucesso e recheada de ousadia, senão vejamos: implementou e desenvolveu com sucesso o telemarketing no Benin; em 1997, numa altura em que a liberação audiovisual não era uma batalha ganha, fundou o primeiro canal de TV privada da África francófona, LC2 Télévision. O canal é generalista, emite 24 horas sobre 24, produz três telejornais. Possui ainda uma antena internacional em Paris.
Além de várias iniciativas empresariais no Benin, a maior parte bem sucedida, como é o caso do cartão de crédito pré-pago e recarregável, Nàsuba Express, Christian Lagnidé impõe-se também no campo internacional como um empresário de sucesso. Em 2003, através da sua rede de notícias, AFNEX, conseguiu os direitos de difusão dos jogos da CAN até 2016, em 44 países africanos, incluindo Cabo Verde.
De referir que Christian Lagnidé não é um novato nas lides da política. Foi ministro de juventude e desporto em finais dos anos 90, e conselheiro do Presidente Mathieu Kerékou entre 2000 e 2006. Mas diz que nunca deixou de fazer política, “todo o homem de negócios faz política”, precisa.
“Christian Presidente” é o seu nome de guerra nesta campanha, e afiança que quando ganhar as eleições vai gerir Bénin como uma empresa, onde os accionistas serão os próprios beninenses.
Sem receio de ser acusado de ter uma visão economicista da política, Lagnidé é peremptório: “resolvendo a economia, 70 % dos problemas de Benin estarão solucionados”. O seu programa baseia-se em três pilares: a descentralização, uma proposta nova no país, acesso de todos aos serviços de saúde, e ao crédito seguro.
Lagnidé é um homem muito confiante. “Vou ganhar as eleições no dia 6 de Março”, assegura-nos.
21 de fevereiro de 2011
Os Zemidjans de Cotonou
Em Cotonou, capital económica de Benin, o frenesim dos moto-taxistas é uma realidade que se impõe ao visitante ao primeiro olhar. São claramente a opção para o transporte público na cidade. Designados de zemidjans, os moto-taxistas rodam a chifra de 80 mil, e constituem uma importante força eleitoral. Os 14 candidatos para as eleições presidenciais de 6 de Março no Benin sabem disso, e durante o período de campanha, esses homens ambulantes transformam-se em verdadeiros “chouchous” para os políticos.
Os zemidjans estão filiados em centenas de sindicatos, mas durante a época eleitoral organizam-se em movimento político e declaram o seu apoio a partidos e candidatos. É o caso de AMICALE, um dos movimentos que congrega no seu seio mais de 10 mil zemidjans, e que já manifestou o seu apoio ao candidato da oposição da coligação União faz a Nação, Adrien Houngbedji.
O presidente cessante, Boni Yayi, conta com o apoio de Mouzebe, (Movimento dos zemidjans por um Benin emergente) outro movimento bastante expressivo.
O candidato da aliança ABT, Abdoulaye Bio Tchané, também tem a sua parcela de apoio considerável no seio dos zemidjans.
O pulsar
A data das eleições presidenciais no Benin foi transferida de 27 de Fevereiro para 6 de Março. O conflito ligado à LIPE – (Lista eleitoral electrónica permanente) domina o debate. Mais de um milhão de não inscritos (10 porcento do eleitorado) levanta o fantasma da fraude. Hoje, os 11 partidos que apoiam o candidatura de Adrien Houngbedji, fizeram uma marcha até ao Tribunal Constitucional, como sinal de protesto. A oposição pede uma nova alteração da data das eleições. Não são poucos os receios sobre o desenrolar do escrutínio de 6 de Março. As eleições acontecem sob o olhar vigilante de observadores internacionais, acto enédito na democracia beninense.
11 de fevereiro de 2011
"A crioulização do mundo é irreversível"*
Edouard Glissant : Nous vivons dans un bouleversement perpétuel où les civilisations s'entrecroisent, des pans entiers de culture basculent et s'entremêlent, où ceux qui s'effraient du métissage deviennent des extrémistes. C'est ce que j'appelle le "chaos-monde". On ne peut pas diriger le moment d'avant, pour atteindre le moment d'après. Les certitudes du rationalisme n'opèrent plus, la pensée dialectique a échoué, le pragmatisme ne suffit plus, les vieilles pensées de systèmes ne peuvent comprendre le chaos-monde.
Même la science classique a échoué à penser l'instabilité fondamentale des univers physiques et biologiques, encore moins du monde économique, comme l'a montré le prix Nobel de chimie Ilya Prigogine. Je crois que seules des pensées incertaines de leur puissance, des pensées du tremblement où jouent la peur, l'irrésolu, la crainte, le doute, l'ambiguïté saisissent mieux les bouleversements en cours. Des pensées métisses, des pensées ouvertes, des pensées créoles.
(...)
La créolisation, c'est un métissage d'arts, ou de langages qui produit de l'inattendu. C'est une façon de se transformer de façon continue sans se perdre. C'est un espace où la dispersion permet de se rassembler, où les chocs de culture, la disharmonie, le désordre, l'interférence deviennent créateurs. C'est la création d'une culture ouverte et inextricable, qui bouscule l'uniformisation par les grandes centrales médiatiques et artistiques. Elle se fait dans tous les domaines, musiques, arts plastiques, littérature, cinéma, cuisine, à une allure vertigineuse…
*Edouard Glissant (1928 - Martinica / 2011-França) R.I.P
8 de fevereiro de 2011
A Festa acabou. E Agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?
(...)
Carlos Drummond de Andrade
12 de janeiro de 2011
Dos debates ... históricos!
A Estação de TV Pública inaugurou uma série de debates temáticos, tendo em vista as eleições de 6 de Fevereiro. O debate é mediado pelo Chefe de Informação, acontece às quartas-feiras, e, se a memória não me falha, já vai na sua quinta edição.
Depois dessa iniciativa, segue uma outra, desta feita da RTC, com transmissão simultânea na rádio e na tv: uma série de três debates, com todos os partidos, (inaugurada no dia 14) e o último, marcado para 18 deste mês, entre os líderes dos dois maiores partidos, José Maria Neves e Carlos Veiga.
Os dois debates com os partidos concorrentes serão mediados pelos Chefes de Informação da Rádio e da Televisão. O último debate vai ser mediado por Carlos Santos, Director da RCV, e Álvaro Ludgero Andrade, Director da TCV e ex. administrador da RTC. Uma iniciativa louvável, que envolve apenas a cúpula das duas estações públicas.
11 de janeiro de 2011
Com que roupa?
Cabo Verde vai a votos no dia 6 de Fevereiro, e a pergunta é: a comunicação social (do estado) vai com que roupa? Ou seja, qual será e tem sido o seu papel efectivo, a sua contribuição genuína, vis-a-vis o interesse público. Ela vai continuar com a sua atitude acrítica, servil e simpática perante a máquina? Aqui pouco importa o palco da retórica montado para confundir!!!
Noel Rosa escreveu e o mundo cantou:
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?
Eu hoje estou pulando como sapo, pra ver se escapo
desta praga de urubu
Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar
ficando nu...
Praga mesmo são as redacções deste país, Abraão Vicente! Quando o núcleo de base (se permite) é minado e se dobra a troco de migalhas (ki ca ta dura), não há nada a fazer... às tantas, é calar-se e lutar (salve-se quem puder) contra a praga de urubu! Você se livra, mas os gados morrem!
ps: o rei vai nú...
10 de janeiro de 2011
Reinventar o Futuro
Afinal, o «ano maldito» não foi ainda este 2010. Vem aí, segundo dizem as previsões mais optimistas, um 2011 ainda pior. Mas a atitude certa para quem queira contrariar o destino dos tempos não é a de entregar-se ao desconsolo destes presságios. Sempre que olho para estas previsões, apetece-me voltar a dizer: afinal, o futuro foi ontem. O futuro foi ontem, porque o presente não nos anima para o que aí vem. A prometida Europa, a «revolução dos cravos» de uma democracia em liberdade, com bens melhores distribuídos, saúde, educação e justiça mais garantidas, foram promessa. E as promessas incluem sempre grande percentagem de futuro À medida que vão falindo, o futuro fica para trás.
Somos chegados aos tempos que não deveremos delegar só nos outros, seja no Estado, seja nas instituições de quem dependemos, o contrariar estes destinos. Cada um de nós, o que quer que faça, onde quer que esteja, terá de ser co-autor de procurar o futuro. Não estamos no «fim da História». Mas estamos no fim de um ciclo. Não é a História que acaba, mas é o paradigma que se esgota. O paradigma de um dito «modelo ocidental» que nos trouxe, em coisas boas e más, até aqui. Como dizia Braudel, as «ondas da História» podem ser breves, médias ou longas, mas mudam. E baseado nesta interpretação, Domenico de Masi, conjecturava: estas mudanças não são apenas o resultado de uma guerra, de uma revolução; só acontecem na coincidência de três inovações: novas fontes energéticas, novas divisões do trabalho e novas divisões no poder. E por isso, relendo a filósofa húngara, Zsuzsa Hegedus, dizia: o único garante da mudança de uma sociedade é a criatividade, a invenção.
Numa sociedade sem emprego para todos, sem segurança social capaz de assegurar a longevidade, com a democracia a exigir «meses de suspensão», com liberdades ameaçadas, com valores de pernas para o ar, com economias liberais sem créditos assegurados, com Estados ou Uniões a demolirem-se, vamos ter de ser criativos, inventivos. Individual e colectivamente.
Não enjeitemos a culpa que quase todos tivemos. Uns mais do que outros. Estamos sem qualquer espírito inventivo. Vejam-se as medidas de austeridade. Vejam-se as eleições que fazemos. Do fundo das nossas vitalidades reinventemos novos trabalhos, diferentes estados sociais, modelos de comportamento para «uma nova onda» da História. Não volta a haver a «arca de Noé». Mas pode haver o contributo de cada um de nós para reinventar o futuro.
J.M. Paquete de Oliveira
PS: Este texto pode parecer estranho. Mas é o voto que entrego a cada português para 2011.
6 de janeiro de 2011
Norberto Tavares: O Trovador da Esperança
Uma frase de Eugénio Tavares, patrono da Cultura Cabo-verdiana, descreveria o falecimento de Norberto Tavares, um dos grandes cultores da música e da cidadania cabo-verdianas.
(…) Korpu katibu bai bo ki é escravu; oh alma bibu kenha ki al lebabu (…)
Norberto Tavares, paradigma da frase de Eugénio Tavares, nasceu em 1956, em Santa Catarina, e faleceu em 2010, em New Bedford, Estados Unidos da América, aos 54 anos de idade e com 35 anos de carreira. A sua vida breve deixou marcas profundas na música cabo-verdiana e a sua forma de ser cidadão igualmente deixou marca indelével na Nação.
Para ver Quinta-feira: 22 horas: na Televisão de Cabo Verde
Com as participações de Carlos Gonçalves (Jornalista e Músico); Charles Akibódé (Historiador); Zé Rui de Pina (Músico e ex. integrante dos Tropical Power); e Calú Monteiro (Músico).
1 de janeiro de 2011
Por uma nova década….
Nos últimos dez anos, temos uma situação grave. Fico desesperado e angustiado de como é que a sociedade cabo-verdiana em geral e as autoridades se acomodam a uma realidade que é dramática. O alcoolismo é um dos problemas graves de Cabo Verde em termos de saúde pública. O consumo começa numa idade cada vez mais precoce, e o avanço das mulheres no consumo é impressionante, e em bebidas de qualidade péssima. (…)
Temos consequências familiares, na violência, ao nível da saúde mental. Mas não tem sido feito nada.Verificamos, contrariamente ao que diz a lei, espaços de venda de bebidas alcoólicas proliferam junto das escolas. Há uma publicidade de uma agressividade incrível, dirigida dominantemente para jovens. Muitas bebidas são mais baratas que sumos. O problema devia ser objecto de políticas educativas agressivas, ligadas aos preços, ao acesso, à venda de bebidas, fiscalização, etc. Porque estamos a acabar com o que temos de melhor, que é a nossa juventude.
Manuel Faustino em entrevista a "Expresso das Ilhas".
Temos consequências familiares, na violência, ao nível da saúde mental. Mas não tem sido feito nada.Verificamos, contrariamente ao que diz a lei, espaços de venda de bebidas alcoólicas proliferam junto das escolas. Há uma publicidade de uma agressividade incrível, dirigida dominantemente para jovens. Muitas bebidas são mais baratas que sumos. O problema devia ser objecto de políticas educativas agressivas, ligadas aos preços, ao acesso, à venda de bebidas, fiscalização, etc. Porque estamos a acabar com o que temos de melhor, que é a nossa juventude.
Manuel Faustino em entrevista a "Expresso das Ilhas".
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