30 de dezembro de 2005

Bons momentos...


Foto tirada daqui.

Criei este espaço seguindo um insistente conselho de um grande amigo. A princípio, não sabia, ao certo, a que vinha. Mas como anos antes criei com uma equipa uma página cultural na net – Kultura Online – que gerou algum interesse, resolvi seguir as pesadas desse tempo. Com a consciência de que seria um espaço livre, onde escrevesse apenas sobre as coisas que me interessassem (a cultura, a vida, os sentimentos), e quando desse. Se calhar para inverter um pouco as obrigações, por vezes áridas, da minha profissão. De facto, assim foi. Tenho escrito sobre momentos que ficam das músicas que escuto, dos livros que leio, das pessoas que conheço, dos eventos que cubro, dos lugares que me encantam, enfim. E acredito, de facto, que os dias, os anos, e a vida só fazem sentido se soubermos de formas mil preservar esses momentos.
A todos vós um ano 2006 repleto de bons momentos.

29 de dezembro de 2005

Amor


Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar
por alguns segundos, preste atenção. Pode ser a pessoa mais importante da
sua vida.
Se os olhares se cruzarem e neste momento houver o mesmo brilho intenso
entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o
dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante e os olhos
encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a vontade de
ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um
presente divino: o amor.
Se um dia tiver que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca
receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais
que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a
outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las
com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer
momento de sua vida.
Se você conseguir em pensamento sentir o cheiro da pessoa como se ela
estivesse ali do seu lado... se você achar a pessoa maravilhosamente linda,
mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos
emaranhados...
Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que
está marcado para a noite... se você não consegue imaginar, de maneira
nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...
Se você tiver a certeza que vai ver a pessoa envelhecendo e, mesmo assim,
tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela... se você preferir
morrer antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. É uma
dádiva.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou
encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e por não prestarem
atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer
verdadeiramente.
É o livre-arbítrio. Por isso preste atenção nos sinais, não deixe que as
loucuras do dia a dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o amor.

Carlos Drummond de Andrade

28 de dezembro de 2005

O eu que amo nele


O último disco de Guilherme Arantes, há três anos no mundo. Escuto, aqui, as músicas todas da voz que tanto amo…são tantos momentos revisitados… parece outra vida, outro mundo, outro eu. Se quiser me socorrer!

Vamos criar um coro de música caboverdiana

Esse é o mote de uma mensagem enviada pelo músico Humberto Ramos a todos aqueles que se interessam pela música cabo-verdiana. Um desafio para o ano 2006.

Quem vai cantar? Eis a questão que o mentor da ideia adivinhou que muitos fizessem, e vai logo dizendo que todas as pessoas que se acharem capazes serão bem vindas ao Coro. Humberto Ramos, que reside em Portugal, para começar, pretende fazer “umas audições individuais para seleccionar as pessoas interessadas”, que não precisam ser uns "Banas" nem umas "Cesárias". O que conta, segundo Ramos, é a vontade de aprender e disponibilidade para ensaiar.

Vai-se precisar de, pelos menos, 50 pessoas com mais de 35 anos para participar e ajudar na organização do Coro. O repertório será composto por 15 emblemáticas mornas de vários compositores nacionais. As inscrições podem ser feitas através deste endereço. O músico Humberto Ramos promete, brevemente, trazer mais detalhes sobre o assunto no seu site pessoal.

27 de dezembro de 2005

Conto de escola

Na semana anterior tinha feito dous suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guena, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.

Machado de Assis. In: Cantinga de Esponsais.

22 de dezembro de 2005

Festas Felizes


Todos os anos recebo um cartão desse do meu amigo Mito. Este ano, resolvi compartilhar o momento contigo.

Cabo Verde entre ritmos e encontros

Ramiro MendesA MB Recordes, liderada pelos irmãos Ramiro (da foto) e João Mendes é uma produtora multifacetada. Investe na produção, em si, agenciamento de artistas, e representa os direitos de autor dos artistas que produz. Uma das maiores fatias monetárias, a nível global, da indústria musical. A sua intenção é dar um outro rumo à questão em Cabo-Verde.
“A SOCA – Sociedade Cabo-verdiana de Autores já foi criada, e espero que brevemente consiga dar passos significativos nesse domínio”, diz Ramiro Mendes.
“Cabo verde possui um catálogo de 1 milhão de composições e nenhuma delas está protegida”, remata.
Refira-se que, pela primeira vez, no último CD de Tito Paris a ser lançado, se viu referenciado o nome do compositor da emblemática música Sodadi: Armando Zeferino Soares.

Outro grande projecto da MB Recordes é promover, através dos seus contactos e know-how, uma indústria cultural em Cabo-Verde, e internacionalizar os artistas nacionais. Mendes esteve esta semana na Praia para dar continuidade a alguns contactos nesse sentido. A gravação do “Tito Paris acústico” em parceria com o BCN, resulta deste projecto.

Encontros da nação crioula, na música e na cultura, é outro projecto, há muito acalentado por esse foguense di Paloncon, que se assume como cidadão do mundo. No ano passado, o grupo musical "Ferro e Gaita" participou no Festival de Jazz de New Orleans com essa filosofia. Ramiro Mendes pretende, assim, uma reunificação das nações crioulas, através da música, aqui, de onde partiram.

Tito Paris acústico

Tito Paris acústicoTito Paris lança no dia 30 deste mês, no Tabanka Mar, o seu último disco ao vivo e acústico, gravado no ano passado na aula magna, em Lisboa.
Nha sina, Ondas di bô corpo, Um gosta di bó, Febre de Funaná, etc.
As músicas são conhecidas, mas a viagem que desta feita proporcionam a quem as escuta, é inédita. Uma viagem acústica e sinfónica. Uma ambiência sonora edílica, também possível com a música cabo-verdiana. “Tito Paris acústico” é apenas um primeiro passo para a concretização do grande sonho do artista: o de gravar um álbum clássico cabo-verdiano, com músicas de compositores como Eugénio Tavares, B. Léza Olavo Bilac, e outros. Um projecto de vida que funciona também como uma peça importante para a universalização da música cabo-verdiana.

O disco, segundo o seu produtor Ramiro Mendes, marca um momento de viragem na carreira de Tito Paris. O CD vem acompanhado de um DVD com 4 músicas, para ver e ouvir, e um Bónus para recordar um dos grandes sucessos do artista: Dança Ma Mi Crioula.

Nessa sua curtíssima estada em Cabo Verde, Tito Paris, sempre insistente, não deixou de manifestar, uma vez mais, a sua preocupação para com o rumo que está a tomar a chamada música moderna crioula. Lançou um apelo às autoridades nacionais no sentido de se introduzir, com urgência, o ensino musical nas escolas.

19 de dezembro de 2005

Contos Crónicas e Reportagens...

... é a mais recente obra publicada em Cabo Verde – semana passada. Um livro que resulta de uma compilação de textos da jornalista, Maria Helena Spencer, publicados em vários números do Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, entre os anos 1949 e 1964.

"Eu nasci na Praia, aqui tenho vivido durante a maior parte da minha vida e, para mim nenhum lugar no mundo é mais belo, em nenhuna outra terra conseguiria ser mais feliz. Mas acabo de regressar de S.Vicente e tenho que deixar falar o coração para ser justa. Mindelo e Praia. Barlavento e Sotavento."

Passagem de uma obra que transporta no tempo, um olhar, no feminino, da vida, dos lugares e das pessoas em Cabo Verde, nos idos anos 50 e 60. Maria Helena Spencer, autora dos escritos, nascida em 1911, é a primeira jornalista cabo-verdiana de que se tem memória. Escreveu contos, crónicas e reportagens sobre Cabo Verde num período em que as mulheres das ilhas viviam sob outros preceitos.

A compilação dos textos foi feita por Ondina Ferreira, que entende ser este "um resgate da historiografia cabo-verdiana". O livro não apenas reporta momentos, lugares e personagens das ilhas de Cabo Verde, principalmente Santiago, S.Vicente, Brava e Boa-Vista, mas eterniza a figura de uma escritora, que tendia a cair no esquecimento. Um momento à parte, portanto, para a bibliografia cabo-verdiana.

Contos Crónicas e Reportagens - um documento que testemunha o quotidiano cabo-verdiano dos anos 50 e 60, "com uma requintada sensibilidade" como testemunha a favor da autora, o escritor foguense, Teixeira de Sousa. Maria Helena Spencer vive em Portugal há largos anos.

15 de dezembro de 2005

“Nós Patrimóniu” em exposição

ExamplePilão, Binde, Moringue, pote, cangalhas de couro, enxadas, acessórios utilizados na confecção do queijo e manteiga, cabaças, balaios, etc.
Objectos que denotam a criatividade das mulheres e homens cabo-verdianos que nos antecederam. Objectos que narram a vida quotidiana dos nossos antepassados. A vivência, a cultura e a história em memória. Expostas numa estrutura de madeira, inspirada na Fortaleza Real de S. Filipe, Cidade de Santiago. A síntese do cabo-verdiano na espontaneidade da história.

Pode-se, desta forma, lançar um olhar sobre a exposição etnográfica e subaquática, a cargo do Instituto da Investigação e do Património culturais, a ser inaugurada, amanhã, na Cidade da Praia. Fruto de uma recolha realizada entre 1992 e 95 nas Ilhas de Santiago, Santo Antão, Boa Vista e Brava.

Uma exposição que tem como objectivo "divulgar e promover a cultura material cabo-verdiana de modo a sensibilizar a população para a problemática da preservação do património cultural”.

Um marfim, moedas de dois reais espanhóis, e o fragmento de uma caneca de cerveja inglesa são alguns dos objectos encontrados no Princess Louisa. Navio londrino projectado para fazer parte da companhia da Índia Oriental Britânica. Na sua quarta viagem rumo à Pérsia e Bombaim, a 18 de Abril de 1743, o navio embateu numa baixa dos mares da Ilha do Maio e ficou completamente submerso. Esta é apenas uma parte do espólio subaquático cabo-verdiano, presente na exposição, que resulta de um trabalho de pesquisa e recolha, realizado nos mares de Santiago, Maio, Boavista, S. Vicente e Brava.

A exposição "Nós Patromóniu" vai ser inaugurada, esta sexta-feira, às 17 horas no Núcleo Museológico da Praia, na antiga instalação do IFAP.

14 de dezembro de 2005

Recortes


Milton Hatoum

O meu amigo Jorge Marmelo disse-me, hoje, que está a ler Milton Hatoum, um brasileiro de Manaus, de origem libanesa de que gosta bastante. Presa a uma curiosidade natural, já que não conhecia o escritor, resolvi surfar um bocado na Internet, a ver se descobria mais alguma coisa sobre ele. Fiquei a saber que é professor de literatura na Universidade Federal do Amazonas, e que ganhou o prémio Jabuti de melhor romance em 1999 com Relato de um Certo Oriente. Cinzas do Norte, o livro que Jorge Marmelo está a ler, é a sua terceira e última obra.

O Crioulo

A 20ª Edição do Festival Crioulo que aconteceu em Seychelles, em Novembro passado, recomenda que if we want our language to survive we have to ensure its rightful place in the cyberspace.
Foi uma semana em que estudiosos de várias nações que falam o crioulo estiveram reunidos à volta do tema "the future of Creole is in its functionality”, para concluírem que a presença do crioulo na web é pouco expressiva, e que mais deve ser feito para inverter este quadro.
De todo o modo, vale voltar à opinião de Robert Chaudenson, Presidente do Comité Internacional dos Estudos Crioulos, deixada na Praia, aquando da realização do 11º Colóquio Internacional de Estudos Crioulos.

Voltando ao Milton Hatoum

Encontrei as informações sobre Milton Hatoum neste sítio que poderia servir de exemplo para uma iniciativa idêntica em Cabo-Verde. Filinto Elísio anunciou, para breve, um novo livro de Arménio Vieira. Se um leitor atento, estrangeiro, quiser saber mais sobre o escritor, poucas oportunidades tem de o fazer na Internet, já que existe quase nada de informativo sobre os escritores cabo-verdianos, que respeite a gramática cibernética. É que ninguém lê estudos ou análises “despejados” por inteiro na web. E é desta forma, infelizmente, que muito sobre a literatura cabo-verdiana é disponibilizado na Internet. As editoras, e não só, deviam pensar em fazer esse trabalho. Não é impossível. Matilde Dias, tem no Lantuna (Bio), um sinal disso. Já agora, não esquecer dos que escrevem em crioulo, tendo em conta a recomendação de Seychelles.

12 de dezembro de 2005

O lugar que escolhi


Escolhi este lugar, assim como se escolhe uma casa para viver ou um sítio para morrer. Nem sempre nos damos conta das nossas escolhas, de tão fugazes. Assim como escolhi esta cadeira, escolho, aqui e agora, fazer isto, e não aquilo. Tudo isto me inquieta: ter que escolher, sempre, a cada dia que passa. Os momentos que ficam, e que nunca se perdem, são o alento desta vida, toda ela feita de escolhas.

7 de dezembro de 2005

Omar expõe no Tabanka Mar


“Depois da Chuva” é o título da sétima exposição fotográfica do realizador e fotógrafo cubano, Omar Camilo, residente em Cabo-Verde há três anos.
Depois da chuva é o mesmo que dizer quando acaba a esperança, quando as brumas do tempo se fazem presente, quando o homem se perde no meio ao tudo que o rodeia. É o meu olhar sobre o mal que o homem está a causar ao seu planeta, diz.

Depois da Chuva fecha uma tríade crítica, e sucede a mostra pessoal do artista - Ultimas Noticias da solidão - e uma mostra conjunta sobre o Meio Ambiente, que sintetiza o seu olhar sobre a relação do homem com o universo. Uma relação que desafia o sagrado, a esperança, e deixa um vazio, depois da chuva.

Um encontro com a imagem. Mais do que uma simples mostra fotográfica. É assim que Omar Camilo define esse rasgo estético. Uma exposição conceptual, recheada de símbolos com contornos universais.
Como um lápis, num primeiro olhar tão familiar, que homenageia Pablo Neruda com Los versos del capitain, na mesma linha da homenagem feita na sua exposição anterior, à pintora mexicana Frida Kahlo.

À par do primor estético, a mostra assume uma condição desafiadora.
Depois da Chuva é uma exposição pouco convencional na sua forma. Omar Camilo divide a cena com o arquitecto, Hélder Monteiro, que participou como amador na mostra sobre Meio Ambiente, parte desta tríade, patrocinada pelo Centro cultural Francês.

A exposição é composta por trinta e duas peças, 18 de Omar Camilo, e 15 de Hélder Monteiro, e será inaugurada no espaço Tabanka Mar, na Prainha, na próxima sexta-feira, às 18 horas e trinta minutos.

5 de dezembro de 2005

Danny Spinola de volta

Estou de volta, amor. E cheguei com uma braçada de pêssego nos lábios e veludo nas mãos; cheguei, trazendo lua e sol comigo, pensando já em chuva e tempestade. Cheguei para te ver, para sentir, para me encontrar contigo e para te encontrar comigo.
Cheguei, amor, cheguei com música e maresia na minha pele e no meu galope; Tenho mel e sal comigo; Tenho rosas e paraísos acesos nos meus olhos.
Cheguei amor, cheguei e, agora, é contigo…

Curtas pinceladas do último livro de poemas, Vagens de Sol, do escritor, Danny Spínola, a ser lançado, esta sexta-feira, 9 de Dezembro, no Palácio da Cultura, na Praia. Fátima Fernandes apresenta a obra, sob o fundo sonoro do guitarrista Pedro Moreno, numa cerimónia que vai contar com as presenças do Ministro da Cultura, Manuel Veiga, e do Presidente da Associação do Escritores Cabo-verdianos, Corsino Fortes.

Vagens de Sol é a décima terceira obra do também jornalista Danny Spínola. A cerimónia tem uma componente visual, e será a síntese de um artista multifacetado. Vagens de Sol, intitula, igualmente, uma exposição de pintura do artista, no mesmo dia e local. O encontro está marcado.

25 de novembro de 2005

Santa Catarina em Lisboa

AssomadaA festa do dia de Santa Catarina vai ser assinalada, hoje, por cabo-verdianos em Portugal, numa sessão cultural a ter lugar na sede da Associação Cabo-verdiana, em Lisboa. A organização está a cargo do poeta cabo-verdiano José Luís Hopffer Almada, em parceria com a Associação.
Na ocasião, pretende-se, também, homenagear Ildo Lobo, no seu aniversário natalício.
Da programação destaca-se a apresentação do livro "Assomada Nocturna" de José Luís Hopffer Almada, por Inocência Mata e Francisco Fragoso, um recital de poesia por Celina Pereira, Helena Monteiro, Luís Lobo e José Luís Hopffer Almada. A alocução de homenagem a Ildo Lobo ficará a cargo do sociólogo César Monteiro. A sessão cultural contará com a participação de artistas como Luís Lobo, Maria Alice, Nancy Vieira e muitos outros.

23 de novembro de 2005

Rui de Pina está de volta

Rui de PinaO cantor cabo-verdiano, Rui de Pina, residente nos Estados Unidos da América, acaba de lançar “Obsession”, um disco de koladera e zouk que brevemente o vai lançar nas estradas da promoção, passando, claro está, por Cabo Verde.
Antes disso, a 24 de Novembro próximo, o artista vai participar, a título promocional, numa série de concertos do cantor Beto Dias, a ter lugar na Nova Inglaterra.
Na sua própria tournée, Rui de Pina, que há largos anos não pisa os palcos das ilhas, promete recordar os sucessos dos seus discos anteriores: “Nasé pa Vivé,” “Irresistible,” “Sempri na nha pensamentu,” e “Simplismenti.”
Para recordar bons momentos, deixamos, para a apreciação dos nossos leitores, a letra, Txika, da autoria de Kin di Santiago, que marcou esse artista na memória musical das ilhas.

Di madrugada/ N ben kansadu/N atxa kanderu sezu/ ku mininus na sonu/Oi Txika Punde bu baba …/Ki N ben kansadu /Ki N atxa kanderu sezu/Ku mininus na sonu /Di madrugada/N poi rostu pa portu/ Oi Txika bu ranja bu spiki/Bu bai te ponta Txada/ E ka nada ku bo, ai Val/Nha kuza mi e ki ta manda n’el/ Val mi ku kuatu mininu/Bu ben di mar/ Bu ben ku bu balai di pexi/Bu bend’l/ Bu bai toma grogu/E ka nada ku bo, ai Val/ Nha kuza mi e ki ta manda n’el/

fonte: cvmusicworld

15 de novembro de 2005

Oi, amigas.

ExampleAinda não fiz nada do que prometi…dei uma passada pelo Presídio com a Manuela. Passei, levemente, pela Aguadinha que está a cair aos pedaços. Sei de umas obras no Alto de S. Pedro, no sobrado de Nhô Agnelo, que está a agitar as águas por estas bandas. Mas tenho andado, pessoal, com a polícia nacional. Hoje foi o dia deles. Anima-me saber que a Monique cedeu o quintal da Casa da Memória – funcionou ali o primeiro cinema no Fogo – para os agricultores de Chã das Caldeiras apresentarem, no dia 17, os novos produtos vinícolas. A ideia é valorizar os recursos naturais e os produtos locais da Ilha. A sessão resume-se num historial sobre a vitivinicultura na Ilha do Fogo, a apresentação da associação dos agricultores de Chã das Caldeiras e a apresentação e degustação de produtos como vinhos branco, rose e tinto, destilados, e sumo de uva. Beijinhos.

12 de novembro de 2005

Queridas...


Lá vou eu subir as eternas ladeiras di bila, passear na praça do Presídio ao cair da noite, e apreciar, Matilde, a Ilha Brava ao longe. Lá vou eu, Katy, passar pela Aguadinha, subir até à Casa de cinema para cumprimentar o pessoal. Depois do trabalho, é claro. Para trabalhar, faço a longa estrada até aos Mosteiros, subirei à Chã das Caldeiras e vai dar para apreciar o nosso vulcão e revisitar a brisa fresca sulista.
Prometo contar, de regresso, os momentos todos. Prometo.

11 de novembro de 2005

Tcheka, o escolhido

TchekaTcheka é o vencedor do disputado prémio “RFI Musiques du Monde” deste ano, cuja final aconteceu, ontem, em Dakar, Senegal. O artista cabo-verdiano concorreu ao prémio com o seu segundo disco Nu Monda, tendo disputado a final com o tocador de cora da Guiné Conacry, Ba Cissoko, e a cantora do rythm and blues, do Gabão, Naneth.

O prémio "RFI Musiques du Monde" é um apoio determinante para a carreira musical, a nivel promocional e financeiro, para os artistas e grupos da África, Caraíbas e Oceano Índico. Para ser candidato é necessário que o artista tenha lançado um disco no seu país de origem. Só este ano candidataram-se 200 artistas ao prémio. Este concurso que abrange cerca de 32 países já permitiu a vários artistas iniciarem uma carreira internacional. Como exemplo, refira-se os casos de Tiken Jah Fakoly (Costa do Marfim), Didier Awadi (Senegal), Rokia Traoré (Mali) etc.

O prémio "RFI Musiques du Monde" é organizado em parceria com a Agência Intergovernamental da Francofonia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros Francês e AFAA (Associação Francesa da Acção Artística). O concerto que aconteceu, ontem, em Dakar será editado posteriormente em DVD pela Sociedade de autores, compositores e editores de músicas, em parceria com a RFI.

10 de novembro de 2005

Parabéns, Raíz de Polon

Raiz de PolonSe o número 13, para determinada cultura, pressupõe azar, ele não o é com certeza para o Grupo Raiz di Polon. Treze anos depois da sua criação, na Cidade da Praia, ele permanece na linha de frente da dança cabo-verdiana, acaba de ser condecorado pelo Governo por mérito cultural e de ser seleccionado para representar Cabo Verde no Festival Internacional da Francofonia, evento a ter lugar em Niemey, capital do Níger, em Dezembro próximo.
Mas o ano de 2005 diz mais. Afirma que o Grupo andou em digressão pelo mundo Europa e África, sobretudo), participou no projecto UNIVERSOS, ao lado do Mário Lúcio, apresentou coreografias com Herbin "Tamango" Van Cayseele, das Guianas Francesas, considerado o maior bailarino de sapateado da actualidade e teve os melhores elogios da crítica internacional. Não será demais afirmar que, depois de Cesária Évora, a Diva dos Pés Descalços, nenhum outro fenómeno amplia mais a cultura cabo-verdiana pelo mundo como Raiz di Polon, levando na bagagem a dança, a música, a língua, a literatura e a dramaturgia de Cabo Verde. Mano PretoO leader incontestável do Grupo é Mano Preto que fundou, em 1991, com mais três bailarinos, o Raiz di Polon, no qual tem participado como coreógrafo, bailarino e produtor. Desde o início, o Grupo teve uma dinâmica de crescimento muito própria. Dividido entre a componente performativa e a pedagógica, Raiz di Polon marcou o seu espaço de valência cultural já pelos seus fundamentos. O entusiasmo, a comunicabilidade e a alegria foram o apanágio desse colectivo que se afirmava como uma outra forma de estar na dança tradicional cabo-verdiana (recriando o batuque, funaná, colá, coladeira, morna e demais estilos).
Depois do projecto “Dançar Cabo Verde”, em 1994, Mano Preto e os membros do Raiz di Polon embarcaram para um caminho sinuoso, mas extremamente gratificante, na busca de novos horizontes para a dança cabo-verdiana.
Em verdade, foi um momento de viragem, do tradicional para o contemporâneo. O Grupo passa, doravante, a pesquisar as raízes da dança cabo-verdiana, mas a apresentá-la a partir de novos paradigmas que transcendem rótulos e géneros, que se espalham por todas as regiões do mundo, que abrigam de tudo, e que se transformam de modo permanente.
Outro momento determinante foi a produção da “CV Matrix 25”, em 2000, depois das emblemáticas Pêtu” e “Uma História da Dúvida”. Impacto que só encontra paralelo na peça “Ruínas”, de 2004, mas ainda em cartaz, que marca o ápice da maturidade do Raiz di Polon.
Todavia, neste momento, o grande questionamento tem a ver com a sustentabilidade do projecto Raiz di Polon. A preocupação se a dança consegue sustentar os bailarinos e toda a equipa de produção, bem como os seus desafios que hoje transcendem as fronteiras de Cabo Verde.
A par do desafio, por vezes exasperante de sustentabilidade, fazem a 14 de Novembro 13 anos desde que o Grupo se estreou. Obra e graça não faltam a esses dançarinos…

9 de novembro de 2005

Santiago foi uma ilha de escravos

A Ilha dos EscravosEsta ilha foi de escravos durante três semanas. Fora, no passado, com a inauguração do comércio de escravos africanos em 1466, na Cidade Velha, e durante longos séculos de exploração, separação e desespero humano. Mas as últimas três semanas, na Ilha de Santiago, foram bem diferentes. Termina no sábado a rodagem do filme “A Ilha dos Escravos” do realizador português, Francisco Manso.

É necessário dizer que estas filmagens mudaram um pouco, nos lugares onde aconteceram – Cidade Velha, Plateau, Monte Vermelho e Praia de S. Francisco – a rotina da comunidade. A alegria das pessoas de ver caras famosas como Zéze Mota, Milton Gonçalves, Diogo Infante e outros. Os decores rústicos que lembram a vida crioula do tempo dos nossos avós. Fiz esta viagem, às tantas. Os jovens figurantes que ganharam algum, e tiveram a oportunidade de conhecer os bastidores de uma longa-metragem, e os curiosos, que, simplesmente, olhavam parados.

Cabo Verde também saiu a ganhar. É isso, pelo menos, o que dizem os políticos. Promove a imagem do país lá fora, promove a Rota de Escravos de que fazemos parte; dizem mesmo que Cabo Verde vai se transformar, depois disso, numa placa de entretenimento no atlântico. Alguém sabe de onde tiraram isso? Foi o que ouvi, esta manhã, e fiquei assim a pensar…de onde tiraram isso?

8 de novembro de 2005

Batuque sta na moda

O batuque renasce das ribeiras, das achadas, em novas vozes e forças que se impõe como referência incontornável da cultura cabo-verdiana.
O batuque renasce com alma, na infância, na mulher, com futuro. O Batuque, hoje, com outros apelos, recria a tradição secular do berço da caboverdianidade - a Ilha de Santiago.
Atentar a este renascimento é inserir-se em desafios outros que selam a nossa identidade enquanto povo e nação, presente na diversidade.
A institucionalização de um festival anual de Batuque, na Ribeira Grande de Santiago, está na mira do governo. Que venha a ser um momento síntese da vivência de um povo com tantas histórias de partidas e chegadas. Não apenas mais um festival.

Example
Batuque sta na moda é título de uma música do Pantera, interpretada de forma sublime pela Lura - a garota do lado para quem não conhece. Depois dessa música tudo mudou por estas bandas. Esta musa, o Pantera, que infelizmente nos deixou, e o Tcheka lideraram uma verdadeira revolução na música crioula. Há mais, mas eu fico com esses três.

7 de novembro de 2005

Unidade

As plantas sofrem como nós sofremos.
Por que não sofreriam
se esta é a chave da unidade do mundo?

A flor sofre, tocada
por mão inconsciente.
Há uma queixa abafada
em sua docilidade.

A pedra é sofrimento
paralítico, eterno.

Não temos nós, animais,
sequer o privilégio de sofrer.

Carlos Drummond de Andrade

5 de novembro de 2005

Encontro marcado



O artista cabo-verdiano, Tcheka Andrade, vai estar a 7 de Dezembro em Espanha para um encontro, que promete, com o revolucionário artista brasileiro Lenine. Nesta estada participam, igualmente, a cantora portuguesa Dulce Pontes, e outras figuras da música espanhola. Durante três semanas esses músicos vão desenhar um projecto de CD conjunto que vai funcionar como um selo para uma longa digressão.
É sobretudo uma porta que se abre para a minha entrada no Brasil, diz Tcheka que, neste momento, está na estrada a promover o seu segundo disco Nu Monda. Albúm que segue a linha do seu primeiro trabalho Argui: um novo olhar sobre o batuque, com arranjos elaborados que, uma vez mais, comprova a universalidade da música crioula.
Lenine nasceu em Pernambuco, nordeste brasileiro. Canta, toca violão e faz a chamada percussão de boca. A sua carreira inclui uma lista de seis discos gravados, tem várias canções escritas e interpretadas por artistas de renome brasileiros. É também um adepto e acredita, em se tratando de música, da riqueza que é, hoje, pertencer a redes culturais.

3 de novembro de 2005

Crioulos em debate na Praia

Decorre na Cidade da Praia, o 11º Colóquio Internacional de Estudos Crioulos.
Uma lufada de ar fresco, no dizer do Ministro da Cultura, que vai deixar experiências e subsídios para o projecto do governo de oficialização do crioulo.
Esse encontro reúne investigadores, linguistas e estudiosos das línguas crioulas, oriundos de trinta e um países.

O Colóquio acontece, em Cabo Verde, no ano em que o país assinala o seu trigésimo aniversário. Uma coincidência cheia de simbolismos.
A valorização do crioulo cabo-verdiano, como um acto de cultura, começou a desenhar com a independência destas ilhas, em 1975. O primeiro grande passo nesse sentido foi dado com o Colóquio de 1979 onde se adoptou o alfabeto Mindelo que vigorou durante 10 anos.
Em 1998, o governo aprovou, a título experimental, o ALUPEC. Base do Alfabeto Unificado para a Escrita do Crioulo Cabo-Verdiano.

Para a padronização da língua, algumas medidas estão previstas, como a introdução do ensino da língua cabo-verdiana de forma autónoma nas instituições superiores públicas e nas escolas de formação de professores. Vai se promover, dentre outras acções, a promoção da investigação na área gramatical, lexicográfica, e sociolinguística da língua cabo-verdiana.

Esse colóquio vai servir para mostrar que nós não estamos sozinhos nessa luta, diz o Ministro da Cultura.
Antes o que comprometia o estatuto do crioulo, segundo o presidente do Comité Internacional dos Estudos Crioulos, Robert Chaudenson, era, no fundo, a questão da escrita. Actualmente, com o advento das novas tecnologias, é uma questão ultrapassada.

Como é que vamos comunicar daqui a alguns anos? Entre os cabo-verdianos de Bordeaux, ou de Boston, com os de Cabo Verde? Vão comunicar através da web cam, vão comunicar através dos computadores. Através da web cam vemos a família, não vamos precisar de escrever! Isso para dizer que o handcap da importância da escrita, numa língua, está em vias de reduzir com as novas tecnologias, sentencia Chaudenson.
O Colóquio prologa-se até ao dia 6 de Novembro.

29 de outubro de 2005

Teixeira de Sousa lança livro

Henrique Teixeira de Sousa
“Nós pensávamos que seria sem dúvida mais aliciante se, por exemplo, o livro de Teixeira de Sousa tivesse como título "A última viagem do capitão Hilário Cardoso", afinal das contas o personagem principal do romance. Não só como dono do navio Nossa Senhora do Monte, como também, e sobretudo, um herói que, durante dois meses, luta e sofre no estreito e fechado espaço do seu camarote, entre o sagrado principio de se manter fiel à legítima esposa que o espera em S. Filipe, e as provocações de uma bela passageira que todos os dias inventa novas maneiras de tentar quebrar essa fidelidade persistente...”

Foi com estas palavras sugestivas que o escritor Germano Almeida começou a apresentar, no Mindelo, Oh! Mar de Túrbidas Vagas, último livro de Henrique Teixeira de Sousa. A obra é uma homenagem ao poeta Eugénio Tavares, não fosse o seu título o nome de uma das mornas mais belas desse ilustre filho de Cabo Verde. Foi por esta razão, está claro, que o autor não aceitou a sugestão da editora de mudar o título da obra.

O romance de Teixeira de Sousa relata a viagem de um veleiro dos Estados Unidos que passa pelas ilhas de S.Vicente e Brava. É uma forma, segundo o autor, de dar a conhecer à nova geração referências passadas deste país. “Escrever sobre aquilo que foi cabo verde é útil para a nova geração que não conheceu essa vida “nhanida” de Cabo Verde”, diz o autor, acrescentando que “cabo verde era pobre, era miserável, era miserabilista”.

Oh! Mar de Túrbidas Vagas foi editado pela Ilhéu Editora, e enquadra-se nas comemorações do 30.º aniversário da independência.
Henrique Teixeira de Sousa nasceu na Ilha do Fogo, é médido, foi presidente da Câmara Municipal do Mindelo no período colonial, e vive em Portugal há mais de 20 anos.

Obras do autor

- Contra mar e vento
- Ilhéu de contenda
- Capitão de Mar e Terra
- Xaguate
- Djunga
- Na Ribeira de Deus
- Entre duas Bandeiras
- Oh Mar das Túrbidas Vagas


Lançamento na Praia: 2 de Novembro
Hora: 18h30
Local: Sala de Conferências da Biblioteca Nacional
Apresentador: Arnaldo França
com tcv

26 de outubro de 2005

Lírios

Pedro CardosoUma casinha branca entre a verde espessura
A recordar de longe um navio do mar,
Ou formosa capela alvinitente e pura
A subir como uma ave ou uma núvem no ar;


Casto ninho de amor, alvo e perfumado, onde,
Em terna comunhão vivêssemos os dois
Ouvindo às tarde, quando o sol além se esconde,
O murmúrio da linfa e a voz dos rouxinóis…


Uma casinha assim é que ambiciono e quero
Para longe do mundo erguermos nosso lar,
Sob a bênção de Deus e dum amor sincero;

Uma casinha assim em plena solidão…
Dentro, alegres, os dois de ventura a cantar:
Eis, meu Amor, a minha última aspiração!

Pedro Cardoso, Lírios e Cravos, 1951

21 de outubro de 2005

Parabéns, Mário Lúcio

Mário LúcioÉ o selo dos encontros, desencontros e reencontros. O dono dos olhares todos que perpassam meras fronteiras materiais. Cultiva uma relação primordial com as divindades, e através delas se sente e se mostra na arte.
Os momentos dá, assim, os parabéns ao músico Mário Lúcio que num dia como hoje de 64 nascera na Vila do Tarrafal de Santiago.


Margarida: Quando lançou, no ano passado, o seu livro Vidas paralelas e o CD a solo Mar e Luz anunciou uma crise da meia-idade, e todas as implicações que daí advém. Continua, ainda hoje, nessa curva existencial?

Mário Lúcio: Continuo. Antes, os meus desassossegos tinham a ver com o tempo. Em Chã das Caldeiras apreendi uma nova noção do tempo e foi uma grande libertação. Partilho tais reflexões num livro ainda não publicado que se chama “Se eu fosse um cuco”. Hoje, os meus desassossegos têm a ver com o espaço, com os espaços pequenos, dentro e fora das pessoas. Às vezes até parece que nada valeu a pena, se o crescimento implica não caber mais.

M: Mário Lúcio se projecta, hoje, como um artista universal, com referências místicas muito difusas. Neste enquadramento despontam realidades como a cubana, a baiana, ou mesmo a lusitana. Como sintetiza na sua pessoa esses credos?

M.L: Eu comecei por mostrar o meu país ao Mundo. E Simentera cumpriu e esgotou esse papel. Agora quero mostrar o mundo ao meu país, o mundo que o mundo desconhece. Sou todo o meu percurso. Antes fazia música como missão, hoje faço-a como líbido.

M: Enquanto artista, tanto na escrita como na música, flutua num espaço transcendental, muitas vezes, pouco acessível. Qual é a sua missão enquanto homem das artes?

M.L: A minha missão enquanto homem das artes é a luta contra a mediocridade. Desde criança que diariamente enfrento essa realidade. Acredito que a compreensão do mundo através da estética evita em primeiro a violência. E como os medíocres têm medo de se sentirem marginalizados num futuro já visualizado, fazem a luta do marido que chega tarde à casa. Mas, não desisto, porque tenho filhos, e porque sou covarde nessa realidade. De modo que só me sinto seguro nessa utopia da grande alma humana.

M: Mário Lúcio tem sido um selo dos encontros. Encontros que mexem com a história, com os sentimentos, e num plano mais infinito, com a própria existência. Como encara o seu encontro (ou será reencontro) com Gilberto Gil. E como gostaria que isso fosse apreendido, tendo em conta a dimensão desse astro? Terá esta preocupação receptiva?

M.L: Eu nunca procurei muita coisa na vida. Mas sempre achei. E nessas andanças tenho tido a sorte de me encontrar com gente grande. Nos atraímos mutuamente. Assim foi com Manu Dibango, com Maria João e Mario Laginha, com Paulinho da Viola, com Gilberto Gil, com Luis Represas, com Nacia Gomi, com muita gente. Sentimo-nos bem e dá-nos um gozo enorme fazermos alguma caminhada juntos. São encontros casuais. Até o Simentera foi um encontro casual. Pode parecer falta de modéstia, mas eu não me sinto pequeno junto das grandes personalidades. Sinto-me às vezes pequeno junto de gente pequena. Conto-lhe esta: eu, há uns anos, fui visitar um pai de santo em São Paulo. Esperei na sala, e quando ele apareceu, estendeu-me a mão e disse-me: “Benção, meu pai”. Ele achou que eu estava num rango superior. E tem sido assim com todos. Abraçam-me e recebem alguma coisa que só eles sabem e apreendem. Eu tomo essa devoção. E tomo na mesma medida que eu dou. Leia Mais

20 de outubro de 2005

TabankaMar homenageia Ildo

Ildo LoboUma gala intitulada “Nôs morna”, em homenagem ao malogrado Ildo Lobo, selou a inauguração do TabankaMar na noite de ontem. O espaço que marcou a vida da Prainha nos anos 70 e 80 renasce, em força, com uma proposta ousada. Promete movimentar a capital cabo-verdiana com música ao vivo, exposições e tertúlias literárias. Uma provocação.

A abertura do TabankaMar é um convite ao público praiense em apoderar-se, de novo, da Prainha e transformá-la num ponto vital das convivências da Praia Paixão Atlântica.

Um espaço agradável, vizinho do mar, mergulhado em cores e motivos sugestivos.
A noite de ontem funcionou, sobretudo, como um motivo para se recordar Ildo Lobo que num dia como hoje de 2004 nos deixava. As músicas que marcaram a sua carreira ecoaram das vozes de Tito Paris, Rosa Mestre, Djoya, Mirri Lobo, Albertino e muitos outros. Foi uma noite de emoções fortes, presenciada pelos familiares do malogrado, e por tantos outros que reconheciam no Lobo solitário uma das maiores expressões musicais destas ilhas.

Como o legado é para viver, o novo espaço da capital pretende se associar a este princípio. Tito Paris e os seus convidados, Djoya e Jenifer, têm já encontro marcado no TabankaMar, este sábado, às 23 horas, e no domingo às 21 horas.

19 de outubro de 2005

Encontros

ExampleExampleIolanda de Pablo Milanez, fechou, sob o signo de mestiçagem, o encontro, na Praia, entre Mário Lucio e Luis Represas. Um encontro que resulta dos tantos desencontros que a vida nos proporciona. A própria mestiçagem, neste caso musical, na proposta de Luis Represas, nada mais é, do que uma síntese de um percurso de história, e de vivências.
O concerto UniVersus foi um momento de reencontro de povos, de cultura, de ritmo e de lugares. Tarrafal é revisitado com alma e espiritualidade na voz de Mário Lúcio e cruza com o sabor lusitano oferecido por Represas.
Filhos de Ogum e Oxum, Mário Lucio e Luis Represas selam no plano de suas divindades o cruzamento entre espiritualidades transversais que perpassam as especificidades espaciais, e reflectem os mil olhares do mundo.
O show de ontem confessou alguns lugares, outros nem por isso. Era preciso? Cada um viajou ao seu universo interior. Cuba de Pablo Melanez é, entretanto, assumidamente, um berço infinito dessas duas figuras.
O grupo de dança contemporânea, Raiz de Polon, fechou o ciclo cortando ao meio o espectáculo, e permitindo entender a coerência de uma concepção que iniciou pelo afirmar das individualidade Mário Lúcio e Luis Represas. Foi, sim, uma proposta de encontros, de síntese e, sobretudo, de mestiçagem. A música, mas também a história e o amor têm esse poder.

18 de outubro de 2005

Força de Cretcheu


Ca tem nada nes' vida
mas grande qui amor,
se Deus ca tem medida,
amor inda é maior,
amor inda ê maior
maior que mar, que céu
ma de entre otos cretcheu
di meu inda ê maior

Crecheu más sabe,
É quel que é de meu.
El é que é chabe
Que abrim nha ceu...
Crecheu mas sabe
É quel
Que q'rem...
Se já'n perdel
Morte já bem...

Ó força de cretcheu,
Abri nha asa em flor
Pam pode subi ceu,
Pam bá pidi simenti
De amor coma es di meu,
Pam bem da tudo gente,
Pa tudo conchê céu!

No dia nacional da cultura, Os momentos lembrou da canção de amor que encerra a dimensão lírica do nosso grande Eugénio Tavares. Uma força qualquer...

17 de outubro de 2005

Recordar Eugénio Tavares

Eugénio TavaresEugénio de Paula Tavares nasceu na Ilha Brava a 18 de Outubro de 1867, filho de Eugénia Roiz Nozolini Tavares e de Francisco de Paula Tavares.
Foi um poeta popular e erudito que deu uma grande contribuição para Cabo Verde no plano do nativismo.
Enquanto intelectual, teve um percurso paradigmático do intelectual cabo-verdiano nos fins do século XIX.

Os estudiosos consideram Tavares um dos grandes cultores da língua portuguesa, trabalhada em suas diversas formas. Exímio na prosa e no verso, mas também como polemista consequente de panfletos cívicos e políticos, alguns dos quais explicam as perseguições que teve durante a vida.
Era igualmente um exímio, senão mesmo, uma figura modal no concernente à língua cabo-verdiana, sobretudo nas suas opiniões em prol da língua materna e nas suas composições musicais.

Eugénio Tavares considerava o reconhecimento da língua crioula, à par da portuguesa, como uma questão da cidadania. Um bilinguismo que simboliza, em todos os títulos, a complementaridade do homem cabo-verdiano.
Em verdade, Eugénio Tavares interpela-nos a um olhar não apenas historiográfico como também mítico.

Muitos descrevem-no pela faceta de mornista. Complexidade que extravasa ao reconhecimento por parte de outros intelectuais, contemporâneos e outros. Eugénio Tavares, entre sua gente, não é reconhecido apenas como poeta, compositor ou polemista. Ele é lembrado, sobretudo, como uma figura mítica. Protagonista de vários episódios líricos muito lembrados na ilha.

14 de outubro de 2005

Mayra: a global

Mayra AndradeA cantora cabo-verdiana, Mayra Andrade, residente em França, participa, no próximo dia 17, num debate sobre cultura na Associação Francesa da Acção Artística.
Pequeno país, pequena cultura? É essa a pergunta, no caso de Cabo Verde, que cabe à jovem artista responder. Nesse encontro estarão presentes personalidades da cultura de países como Bolívia, camarões, Arménia e outros.

O tema do debate gira em torno do papel das pequenas culturas na era global, em que as grandes indústrias e infra-estruturas culturais dominam o mercado. A globalização parece, na visão de muitos, aproveitar-se dos pequenos países. A penetração internacional da música, do cinema, e da literatura dos países pequenos será uma das preocupações do encontro.
A diferença entre um pequeno país pobre e um pequeno país rico é um outro debate que se impõe.

A Associação Francesa da Acção Artística foi criada em 1922, por intelectuais e diplomatas franceses, com a ideia de melhorar os contactos artísticos entre a França e os outros países. Promove obras de artistas franceses no exterior, e facilita a entrada e permanência em França de artistas estrangeiros, sempre através de relações bilaterais de cooperação. A AFAA é dirigida, hoje, pelo escritor francês Olivier Poivre d'Arvor.

10 de outubro de 2005

18 de Outubro na Brava

Ilha da BravaTudo isso me parece uma luz no fundo do túnel. A que vai iluminar, não se sabe se de vez, a cinzenta ilha da Brava. A proposta do deputado do PTS, Jorge Silva, passou no parlamento, e 18 de Outubro – data do nascimento de Eugénio Tavares – é o dia nacional da cultura. Nesse dia começam as obras de recuperação da Casa de Eugénio Tavares, sita na Vila Nova Sintra. A mesma que em Junho passado recebia noites ”rijas” de festas de jovens bravenses, com a permissão da Câmara Municipal, claro!

O Presidente do Instituto de Investigação e Promoção Culturais – Carlos Carvalho, avançou na última edição impressa do A Semana que a ideia é construir igualmente uma estátua. De frisar que o único monumento erguido, até hoje, na Ilha, em memória de Eugénio Tavares, é o busto da praça central, construído pelos Amigos da Brava nos Estados Unidos.

Ainda no dia 18, vai ser atribuído, provavelmente, nas terras de Luís Loff de Vasconcelos (é bom lembrar) – falamos ainda da Brava – o prémio Cidade Velha. São vários concorrentes, e, segundo o A Semana Online, o vencedor poderá ser conhecido hoje: Zelinda Cohen, historiadora e co-autora dos três volumes da História Geral de Cabo Verde, Manuel Brito Semedo, Presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, e Emanuel Charles de Oliveira, (lança, brevemente, uma obra sobre os naufrágios nas águas de Cabo Verde) são alguns dos concorrentes. O prémio Cidade Velha foi criado, este ano, com o intuito de incentivar estudos sobre a história das ilhas.
Que venha a ser esta, pelo menos simbolicamente, a tão esperada hora da Brava.

Foto: Cabo Verde Online

4 de outubro de 2005

Viagem ao miolo de Cabo Verde

Foto: Jorge Marmelo
Crianças di praiaCabo Verde não é África, lemos e ouvimos dizer por mais de uma vez. É capaz de ser certo. Mas “nun tardinha na kambar di sol”, conforme diz uma morna de B. Leza, vendo os rostos dos negros brincando na areia escura das praias da cidade da Praia, conversando com os camponeses que regressam das fazendas da costa Leste da ilha de Santiago, com as moças equilibrando baldes de água no alto da cabeça, ou deixando o olhar flanar pelos mocetões que fazem ginástica diante do mar da Laginha, no Mindelo, apetece que África pudesse ser toda como Cabo Verde. Pobre, é certo, mas também morna, amena, bela, sem pestes nem guerras. “Terra sabi”, como no poema de Joaquim Manuel Andrade.
Os turistas são como são. E, quando se lhes fala de Cabo Verde, imaginam, como se acometidos por um reflexo pavloviano, praias de areia branca e mar azul, habituados que estão aos folhetos turísticos dos operadores que instalaram nos arredores de Santa Maria do Sal uma cidade de hotéis e “resorts”, “bungalows”, lojas de “souvenirs”, apoios de praia, estabelecimentos de aluguer de pranchas de surf e “buggies”, lambretas e bicicletas. O paraíso turístico, tal como o imaginam os ocidentais nos seus mais plastificados sonhos, existe também em Cabo Verde, rodeado, porém, de um terreno árido e desértico, onde quase nada medra. Tão inóspito que parece bonito.
O paraíso turístico existe e, diga-se, ainda está a crescer. Nos próximos meses deverá, por exemplo, abrir o gigantesco e pavoroso Club Hotel Riu Funana, com duas mil camas e a arquitectura de Medina árabe que um grupo económico espanhol teletransportou para o deserto da ilha do Sal. “Porque é que eles (os italianos) não pedem para nos fotografar?”, pergunta, visivelmente irritada, Liliana, de 13 anos, depois de, com um irmão mais pequeno ao colo, ter sido rodeada por um exército de câmaras fotográficas. Dizer o quê? Afixado com fita-cola na parede do fontenário da vila portuária de Palmeira, um cartaz anuncia o “grande espectáculo” de Nelo Jackson, imitação local do norte-americano Michael. Os italianos passam à margem.
Para aqueles que viajem para “Kabiverdi” para conhecer Cabo Verde tal como o país de facto é, está, portanto, na hora de fazer como o capitão Kirk no série televisiva “Star Trek” e pedir: “Beam me up, Scotty”. Ou, melhor ainda, entrar num barco ou num dos acanhados ATR-42-300 da TACV que asseguram as ligações aéreas entre as ilhas e ir à procura do espírito da “morabeza” e de tudo o que de mais autêntico existe nestes nove grãos de terra semeados no Atlântico: grogue, ponche, sopa loron, cachupa, atum, fontenários, camiões-cisterna, mangas miúdas, mornas, vinho do Fogo, coladeiras e sorrisos alvíssimos. “Tut dret?”. Bate tudo certo, sim. O povo de Cabo Verde é pobre, mas tem a maior das riquezas: sabe sorrir. Leia Mais

Texto de Jorge Marmelo, publicado no suplemento Fugas do Jornal Público, no dia 26 de Agosto de 2005.

17 de setembro de 2005

Em memória deles

EscravidãoAs teias da escravidão que ainda hoje persistem e resistem um pouco por todo o canto desta imensidão que é o mundo ganham dimensão preocupante nesse início do século. Quando se pensa que as quezílias raciais pertencem ao passado e que a globalização se encarregou de nos meter no mesmo saco, aguçam as contradições culturais, raciais, e religiosas. Surge desse enquadramento a pressão que “nós outros” temos feito ou tardamos em fazer em prol de um reconhecimento profícuo da diversidade cultural. Nem só o Brasil, e os estilhaços terceiromundistas necessitam levantar esta bandeira. A América precisa urgentemente rever as suas diversidades culturais, raciais, e sociais e trabalhá-la, em nome de um possível retorno do furacão Katrina – que Deuz não permita. A França – a moderna sociedade francesa – precisa ensinar aos seus, não todos, claro!, que negro é gente, e que morte é um presente de Deus, que todos temos o direito de receber das mãos Dele. Assim acreditamos.

1 de setembro de 2005

Sodade: nós rivista di música

ExampleA CVMusicWorld.com acaba de anunciar o lançamento de uma revista de música – Sodade – vocacionada para a promoção da música cabo-verdiana no mundo.
CVMusicWorld.com é o primeiro portal cabo-verdiano, curiosamente criado a partir dos Estados Unidos, em 1998, a se dedicar inteiramente à nossa música – promovendo os nossos valores musicais e dando espaço de relevo aos novos talentos.
O objectivo é criar uma “Billboard” da indústria da música cabo-verdiana, onde se divulga entrevistas com artistas, perfis, agenda de shows e outras curiosidades, adianta os promotores.
A publicação vai ser distribuída nos Estados Unidos e em outros países com a intenção de aproximar as comunidades cabo-verdianas e mostrar ao mundo a riqueza musical de Cabo Verde.

CvmusicWorld.com

28 de agosto de 2005

O quase

Theo van Doesburg Ainda pior que a convicção do não é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto.
A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

(Esta crónica de Veríssimo é para os comedidos que uma vez a outra gostariam de não o ser… O drama d´O Quase vem depois, antes, somos sempre nós e os nossos limites, impostos (?) …)

25 de agosto de 2005

Um hobbesiano assumido

Cena de Hotel RwandaEsta noite assisti no Bahiano de Thênis (Salvador - Brasil) a um filme que estreou hoje no Brasil, produzido com recursos da África do Sul, Inglaterra e Itália. Chama-se “Hotel Rwanda”, e todas aquelas pessoas que não pensam a humanidade a partir do seu próprio umbigo deveriam ir vê-lo, antes que saia. Principalmente quem lida com o dito “movimento negro”, que acha que a cor da pele define o caráter e ganha dinheiro ou projeção com isso.
Eu já tinha escrito sobre o assunto – não o filme, mas o tema – em um artigo pra jornal que transcrevi num dos livros que lancei este ano de 2005 "Como Fazer Amor Com Um Negro...".
É indignante e até neste momento, quando me lembro das cenas, me vêm as lágrimas.
Não sei de onde vem essa idéia de humanismo, piegas e romântica, que a nossa cultura nos impregnou. Mas para além do sentimentalismo bocó para o qual fomos treinados, deve existir dentro de cada um de nós um desejo de que as coisas no mundo se dessem de outra forma, fossem melhor.
Quando escrevo isso não penso apenas na frustração que o nosso país experimenta com o fracasso de um projeto político que se revelou uma farsa, uma máfia.
O filme “Hotel Rwanda”, para quem não leu tudo o que já se escreveu em jornais e livros sobre o triste episódio do belíssimo país africano, sintetiza o quanto de verme há em cada um de nós. Brancos ou negros. Progressistas ou filhos-da-puta.

f.c

Ludgero Correia vence Prémio Sonangol

Prémio SonangolAntónio Ludgero Correia, e o escritor santomense Malé Madeçu são os vencedores “ex. aequo” do Prémio Sonangol da Literatura 2005.
Sob o pseudónimo Fidalgo Preto, Ludgero Correia foi premiado pela obra «Baban – O Ladino», que, de acordo com o Júri, se destaca pela «salvaguarda dos valores étnicos e sócio-culturais” de Cabo Verde.
O romance, entende o júri que está «profundamente estruturado no sistema sócio-cultural de Cabo Verde», retratando «o problema da cidadania» no quadro da «conquista da liberdade democrática».
Sobre o livro, o júri destacou ainda «a arquitectura do anti-herói e a interacção das personagens na codificação crítica da tragédia da seca em Cabo Verde». "Baban - O Ladino" retrata a vida de um homem rural cabo-verdiano nos anos 40 - a dualidade entre o campo e a Cidade.
Uma estreia em grande para o autor conhecido do público cabo-verdiano como cronista do jornal A Semana e Presidente da Associação Pró-Praia.
O Prémio Sonangol de Literatura é de 25 mil dólares e será entregue aos vencedores a 25 de Fevereiro de 2006 em Luanda na comemoração do aniversário da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola.

Com Expresso África

24 de agosto de 2005

Imprensa Nacional fez hoje 163 anos.

EscritaA 7 de Dezembro de 1836, o Governo Português, pela pasta de Marinha e Ultramar, decretou que nas províncias ultramarinas se imprimisse um Boletim, cuja redacção ficasse a cargo do secretário do governo. Seis anos mais tarde, cumpria-se em Cabo Verde esta determinação, aparecendo em 24 de Agosto de 1842 o Boletim Oficial do Governo - Geral de Cabo Verde, em Sal Rei – Ilha da Boa Vista. O Boletim saia às quartas e sábados.
Segundo o mesmo Decreto de 7 de Dezembro de 1836, art. 13.º, o Boletim destinava-se ao aparecimento das ordens, peças oficiais e de tudo o mais que fosse de interesse público; a portaria circular de 14 de Fevereiro de 1855 determinava que nesse se publicassem os documentos mais importantes existentes nos respectivos arquivos.
Durante muito tempo editava-se apenas uma série semanal do boletim oficial. Em 1992 passou-se a editar duas séries. Desde 2003 edita-se três séries que saem às segundas, terças e sextas, respectivamente.
Ao longo desses 163 anos, o funcionamento da Imprensa Nacional foi ininterrupta. O projecto da actual administração é publicar o Boletim Oficial na Internet com actualização corrente e equipar-se de forma a proceder à impressão totalmente digital.

14 de agosto de 2005

Dulce Pontes vai estar na Baía das Gatas

Dulce PontesO nome de Dulce Pontes para participar na 21ª edição do Festival Internacional de música Baia das Gatas foi anunciado no fim da semana passada, juntamente com o da D. Zefa que lidera um grupo de forró do nordeste brasileiro. Está completa assim a lista dos artistas que, este ano, vão participar num dos mais emblemáticos festivais de música de Cabo Verde a acontecer nos dias 19, 20 e 21 do corrente, em S.Vicente. As obras de embelezamento da praia da Baia das gatas estão a todo o vapor. A organização do festival já concluiu as negociações com a RTC, pelo que a transmissão em directo, pela Televisão Nacional, está garantida.
O Festival de Baia das Gatas foi concebido e realizado, pela primeira vez, em 1984 por jovens artistas do Mindelo com destaque para Vasco Martins e Voginha. Ao longo desses anos o evento já homenageou várias personalidades mindelenses. Este ano Luís Morais será o homenageado.

Lista dos participantes

Desfile do Carnaval, Bau e convidados (Jorge Humberto, Jenifer, Gabriela, Djoia), Dub Squad, Bembeya Jazz, Dona Zefa, Filipe Monteiro, Kompass e convidados (Diva, Gérard Mendès, Constantino, Lutchinha, Albertino), Dulce Pontes, Sierra Maestra, Jair Rodrigues, Kino Cabral e Zé Delgado, Hip Hop ART, La MC, Chullage, Sofia Barbosa, Tcheka, Voz de Cabo Verde.

9 de agosto de 2005

Hiroshima - 60 anos

A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas,
Pensem nas meninas
Cegas inexatas,
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas,
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas.

Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa, da rosa!

Da rosa de Hiroshima,
A rosa hereditária,
A rosa radioativa
Estúpida e inválida,
A rosa com cirrose,
A anti-rosa atômica.
Sem cor, sem perfume,
Sem rosa, sem nada.

Por Vinícius de Moraes

12 de julho de 2005

Ribeira da Barca está de luto: morreu Nhô Raúl

O exímio violinista, pai de Tcheka Andrade, faleceu na madrugada de hoje, vítima de doença no Hospital Dr. Agostinho Neto, Cidade da Praia. Conheci Nhô Raul, pessoalmente, há apenas três meses numa reportagem que fazia na Ribeira da Barca, interior da Ilha de Santiago. Figura emblemática da zona, a sua casa era paragem obrigatória para visitantes e jornalistas que pretendessem falar de Ribeira da Barca. A sua mais recente entrevista publicada, feita pela Jornalista Gláucia Nogueira, consta da última edição da Revista de bordo dos TACV, Fragata.
Nhô Raúl nasceu a 5 de Abril de 1927 no Concelho de S. Lourenço, Ilha do Fogo. Desembarcou no Porto da Ribeira da Barca, que nos anos 40 fazia ligação regular com Fogo, há várias décadas, e nunca mais regressou à sua ilha natal. Apesar das suas qualidades musicais, e das várias digressões que fez ao longo da vida, muito pouco se escreveu e se disse sobre Nhô Raúl. Talvez isso se tenha dado pelo facto de nunca ter pensado em gravar um disco. Ultimamente o seu nome tem aparecido, com frequência, nas biografias do filho, como violinista. Faltou esmiuçar a sua arte, falar da ponte musical que fazia entre as culturas foguense e do interior da ilha de Santiago, faltou dizer mais, de facto. Tcheka, contou, certa vez, no programa “Kultura”, que aprendeu tudo o que sabe com o pai, nos intermináveis bailes de casamento e baptizado que faziam por todo o interior da ilha de Santiago. Raúl Andrade ensinou aos filhos um espírito e um estar na música típicos, fruto desses dois mundos. É toda esta alma e vivência que Tcheka interpreta, hoje, nas suas composições. A sua intrínseca ligação à terra resulta, nada mais, nada menos, das incontáveis andanças nos encalços do pai.
Celebrar o legado de Raúl Andrade é apreciar a profundidade da arte do Tcheka. É escutar com espírito crítico os vários episódios contados pelos seus filhos – Tcheka e Kilim – que retratam a persistência e o comprometimento de Nhô Raúl com a sua arte, com o seu violino e com as suas duas ilhas.

Pa Kilim e Tcheka

8 de julho de 2005

Caminho do mar na caboverdianidade

ErnestinaCaminho do mar” é o novo documentário do realizador/antropólogo Guenny Pires. O jovem cabo-verdiano pretende com este projecto contar a história de Cabo-verdianos que cruzaram o oceano para fugir às secas e à pobreza. A sua estreia está marcada para Abril do próximo ano.
Caminho do mar é a história marítima dos cabo-verdianos… vou tentar descobrir os cabo-verdianos que não são cabo-verdianos hoje…são cabo-verdianos por ascendência, mas continuam a ter a ligação com o passado…”, afirma Pires aos microfones do jornalista Marco Rocha.
Guenny Pires é um realizador que anda pelo mundo a reconstruir a trajectória histórica cabo-verdiana. Os seus documentários reflectem a caboverdianidade e as relações interculturais que o arquipélago travou ao longo de quinhentos anos de história. Já filmou a vida dos estudantes cabo-verdianos em Portugal, os rituais culturais das ilhas e da diáspora, e o percurso de Cabo Verde nos 5 séculos de história. Este último foi premiado pelo Festival de Artes e Filmes Panafricanos que decorreu de 10 a 21 de Fevereiro em Los Angeles, EUA.
Guenny Pires reside actualmente em Los Angeles. Está também envolvido num trabalho que poderá levar Cabo Verde aos ecrãs da Hollywood - Dois mundos duas visões. “Uma visão cabo-verdiana e uma visão americana. Uma mensagem de amizade entre os povos”, remata Pires.

Com TCV

7 de julho de 2005

Sweet Daddy Grace: um filho da Brava

Sweet Daddy GraceCarlos Manuel Graça (1883-1960) nasceu na Ilha da Brava, em Cabo Verde. Imigrou para os Estados Unidos no início de 1900 e fixou residência em New Bedford, Massachusetts. Influenciado pela fé pentecostal e evangélica, recebeu o chamamento para fundar a sua primeira igreja no Estado de New Bedford. Sabe-se, também, que depois de uma viagem que fez ao Egipto, Grace terá recebido um novo chamamento para se mudar para a comunidade Charlotte, em Brooklyn, e fundar a United House Of Prayer For All People, em 1925, uma espécie de igreja para todos. As palavras desse líder carismático disseminaram rapidamente na comunidade de Charlotte onde adquiriu o apelido de Sweet Daddy Grace.
As mensagens, e a forma alegre em que decorriam os cultos cativou muita gente, que via, dia após dia, as suas vidas a mudarem para melhor. Com as notícias que corriam sobre os feitos, e com a contribuição crescente dos fiéis, a igreja fundada por Sweet Daddy Grace tornava-se um império e expandia-se a um ritmo acelerado pelo país todo. Sweet Daddy Grace atraía essencialmente pelas cerimónias de baptismos realizadas ao ar livre num clima de harmonia e de festa.
O império construído por Sweet Daddy foi alvo de muitas críticas, e a sua obra vista, por muitos, como uma farsa.
Muitos o viam como um charlatan pela menção que fazia à graça de Deus: "If you sin against God, Grace can save you, but if you sin against Grace, God cannot save you" and "Anything God offers you, I got it."
Tempos depois Sweet Daddy Grace mudou-se para Washington DC, e visitava Charlotte sempre em Setembro de cada ano. As paradas que se realizavam à sua chegada eram muito conhecidas e celebradas. Daddy Grace ordenou-se Bispo antes de falecer, em 1960, na sua mansão de 85 quartos em Los Angeles. O seu legado gira à volta de 3.5 milhões de dólares para os seguidores da “United House of Prayer for All People”.

4 de julho de 2005

O intruso

Burbur Associação CulturalA Burbur Associação Cultural arranca o seu programa de comemoração dos 30 anos da Independência de Cabo Verde com “O Intruso” de Gabriel Mariano. A peça terá quatro apresentações, todas as quartas-feiras, ao longo do mês de Julho na Cidade do Porto, em Portugal.
“ (...) Galgando os limites impostos pela insularidade, a obra de Gabriel Mariano conduz-nos sempre a um lugar onde todos os homens de todas as condições, se reúnem: o "lugar" da família (…) ” escreve Maria Armandina Maia.
Esmiuçando o poder dessa obra, Maia diz que “As inúmeras separações que marcam as nossas vidas quotidianas e frágeis estão magistralmente reflectidas nos textos de Gabriel Mariano onde, por muitas máscaras que possamos colocar, a família nunca se decompõe (…)”
A obra de Gabriel Mariano será encenada em 3 actos: uma pequena contextualização cultural, mas não necessariamente temporal. Depois O INTRUSO propriamente dito, respeitando a integridade do texto original. Para finalizar, uma síntese dramatúrgica de O PRIMOGÉNITO.
A associação BURBUR, formalmente constituída em 2003, é composta por um grupo de jovens que fazem teatro profissional e pesquisam sobre a cultura lusófona. Levaram ao palco a obra “AS ÁGUAS” de Chiquinho em 2002, tendo, também nesse ano, participando no Festival Internacional de Teatro do Mindelact.

Veja o programa

30 de junho de 2005

O esplendor da Independência Nacional

Cabo Verde conquistou a sua independência a 5 de Julho de 1975. Volvidos trinta anos, há muitos motivos de comemoração e de reflexão.
Desde logo a necessidade de perspectivar a Independência Nacional a partir da evolução histórica da criação da língua e da cultura endógenas, da noção de si e de pertença, algo então ocorrido ainda na cidade de Ribeira Grande.
O nacionalismo cabo-verdiano forma-se cedo, a partir da crioulização dos reinóis e dos escravos africanos. O nascimento nas ilhas obriga uns e outros a um esforço de adaptação. Nasce uma nova sociedade a todos os títulos crioula, em que todos se apartam, um pouco, das suas raízes de origem para a re-invenção de um modus vivendis singular.
Muitos estudiosos consideram que foi na era Pombalina com a criação da Companhia de Grão Para e Maranhão, com o monopólio do tráfico com a Costa Africana, que surgem tensões e dicotomias políticas, económicas e sociais em Cabo Verde.
Essas tensões tornam-se mais nítidas no período entre 1820-1822, em que ocorre a Revolução Liberal em Portugal. A expectativa de liberdades criada pelo liberalismo, faz germinar no Arquipélago um movimento organizado de ruptura com Portugal. Mas, uma vez que as ilhas não tinham sustentabilidade, o movimento propugna a união com o Brasil.
As fomes cíclicas também reforçam as reivindicações nacionalistas, quer junto às elites, quer junto aos populares que mais directamente sofriam o impacto dessas tragédias. Foi ainda uma das grandes razões da migração e emigração, o maior fenómeno sociológico da Nação cabo-verdiana. Começa-se a indexar a fome à má governação e à incúria do governo colonial.
As elites cabo-verdianas dos fins do século 19 e começo do século 20, chamadas por vezes de protonacionalistas, reivindicam uma integração mais plena e equitativa ao mundo português como a melhor saída para Cabo Verde. Essa elite aventou hipóteses de adjacência, estatuto administrativo especial e autonomia, alegando proximidade civilizacional com Portugal.
O poeta José Lopes, por exemplo, recupera o mito hesperitano, de vocação atlântica e macaronésia de Cabo Verde, e por isso almejante da Independência Nacional.
O poeta e compositor Eugénio Tavares é dos que consegue sintetizar esse pensamento, reivindicando a plena cidadania portuguesa para os filhos de Cabo Verde. Portugueses irmãos, sim, Portugueses escravos, nunca! Leia mais

29 de junho de 2005

S.João, Brava e Eugénio Tavares

Eugénio A Ilha Brava, fez cair o pano sobre mais uma “Festa de São João Baptista”, celebrada a 24 de Junho. Como sempre, são incontáveis os filhos da ilha, residentes em outros pontos do país e na diáspora, que escolhem a data para visitar os familiares e matar saudades da terra natal.
Mais uma vez, a Câmara Municipal não teve a feliz sorte de passar a bandeira a um particular, o que, do nosso ponto de vista, é preocupante. No Fogo, por exemplo, a passagem da bandeira é um assunto quente devido à longa lista de pagadores de promessas ávidos de serem o próximo festeiro.
É a quarta vez que a Câmara assume a bandeira, mas diz-se orgulhosa e encara o acto como um incentivo à tradição local. Esse “impasse”, dizem muitos, poderá ser o reflexo do desânimo das gentes da Ilha de Eugénio Tavares. Sem infra-estruturas básicas, como ligação marítima, por exemplo, falar em turismo, emprego e desenvolvimento é uma miragem. O sentimento de abandono e marginalização da ilha é generalizado. Por outro lado, muitos atribuem esse desinteresse dos naturais da ilha pela Bandeira aos elevados custos que acarreta, hoje em dia, uma festa desse tipo.
Outra realidade chocante na Ilha Brava é o estado em que se encontra a casa de Eugénio Tavares. Conhece-se, de ouvido, muitos projectos à volta da casa de Nhô Eugénio, mas até hoje não se viu algo de concreto. A casa é parcialmente habitada. A parte que permanece fechada é cedida, com frequência, pela Câmara Municipal aos jovens para fazerem bailes. O dia que lá estivemos o espaço estava cheio de panelas, restos de comida, e um cheiro a cerveja passada que dá dó. Resquícios de uma noite de festa.
Vivos aplausos merecem, entretanto, “Os amigos da Brava nos Estados Unidos” com destaque para João Freire (João de Ida), actualmente, residente na Ilha, que, em parceria com a edilidade, tudo fizeram para que a figura de Eugénio Tavares fosse lembrada através de um busto colocado na Praça da Vila Nova Sintra. Praça, aliás, que recebia muitos cuidados de Eugénio Tavares. Isso, pudemos conferir num retrato do coreto da praça, tirado em 1927, em que Julinho nha Luísa Balala escreve o seguinte no reverso: este ritrato foi tirado por Nho Pansinho de Lessa em 1927, no tempo qui Sr. Eugénio Tavares tomava cuidado com a praça de Vila Nova Sintra".
À espera de um destino está igualmente a casa onde viveu Luís Loff de Vasconcelos. Outro proeminente intelectual que, através da imprensa, assim como Eugénio Tavares, reivindicou a independência destas ilhas.

22 de junho de 2005

Ilha do Fogo terra ditosa

Mulher do FogoEncontrei esta foto num site que merece ser visitado: dedicado a Orlando Ribeiro considerado o renovador da Geografia no Portugal do século XX, e o geógrafo português com mais ampla projecção a nível internacional. A linha das suas publicações revela um geógrafo comprometido com a sua ciência e um dos grandes intelectuais que soube, com a sua investigação e rigor, retratar povos, e culturas perdidas por esse mundo fora, principalmente os da ultramar portuguesa. É com essa ambição, que Orlando Ribeiro chega a Cabo Verde em 1952, mais precisamente à Ilha do Fogo, tendo nos deixado como reflexo desse olhar de antanho “A Ilha do Fogo e as Sua Erupções”, uma obra que retrata a vida social, a paisagem e a cultura da Ilha do Vulcão. Orlando Ribeiro era também fotógrafo, e foi nessa condição que registou momentos singulares da Ilha.