30 de dezembro de 2008
Da memória, dos rituais, dos sons aos livros… em 2008
1. Um dos projectos mais pendentes de que tenho memória em Cabo Verde foi o Museu Municipal de S. Filipe, daí, também, o seu ineditismo. A restauração do sobrado di nha Francisquinha (nome popular), a recolha dos objectos etnográficos e a efectivação do protocolo entre a Câmara Municipal de S. Filipe e a Câmara Municipal de Palmela (Portugal) duraram 12 anos. Finalmente, o espaço foi inaugurado no passado dia 13 de Dezembro, e a partir de meados de Janeiro de 2009 estará aberto ao público das 10H à 15H, e das 17H às 20H. De recordar que o Museu situa-se mesmo ao lado da Casa da Memória, outro espaço etnográfico de grande servidão aos turistas e estudantes na Ilha do Fogo. Expectativa: que o Museu da Cidade receba muitos turistas e curiosos e trabalhe em sintonia com a Casa da Memória.
2. Os momentos tristes também podem ser grandes, pela simbologia que carregam. No ano 2008 faleceu na Cidade da Praia, Francisco Fontes. O decano das bandeiras da Ilha do Fogo. Nhô Mulato, como era conhecido, faleceu com 103 anos, e desde os seus 11 anos era o Cordidjêru (chefe) da maior festa popular de Cabo Verde. A Banderona que celebra S. João, acontece durante 22 dias antes do Carnaval na zona de Campanas Baixo, Fogo. De recordar que esta bandeira é secular e foi fundada por três famílias originárias da região de Campanas, o que obriga a que “a bandeira seja tomada” apenas por membros dessas famílias. Expectativa: Que mesmo sem a figura de Mulato a Banderona continue a preservar a memória, a resgatar valores, e a perpetuar a união.
3. Faleceu Manu Mendi, tido como o último tocador e construtor de Cimboa, instrumento tradicional usado no batuque. Permitir que se perca um legado é um pecado. Expectativa: que se dinamize seriamente a convenção da UNESCO sobre a Diversidade Cultural rectificada no âmbito da CPLP, antes que outras perdas do tipo se repitam. Penso nas várias manifestações de cariz popular e religiosas existentes em ilhas como S. Nicolau, Brava e Santo Antão. Recordo-me de “Canizade” na Ilha do Fogo que hoje praticamente ninguém sabe do que se trata.
4. A inauguração do Museu de Tabanca em “Tchan di tanqui”, e do Centro Cultural Norberto Tavares no coração da Assomada carregam, do nosso ponto de vista, muita simbologia: imortaliza um ritual e perpetua um homem. Expectativa: 1. alma e muita cultura aos “dois chãos” que representam o lado mater desta nação crioula. 2. Auguramos bom porto para a emblemática casa onde residiu Amílcar Cabral em Achada Falcão; e a prometida Casa di Morgado (na antiga e enigmática casa do Morgado da Ribeira dos Engenhos).
5. Foi anunciada o início da obra para a recuperação do antigo Orfanato de Caleijão, que vai albergar o Museu Sacro em S. Nicolau. Já é repetitivo falar e escrever sobre as pérolas sacras (objectos do século XVIII) que estão depositadas numa das salas do Seminário-Liceu, (os objectos em ouro estão guardados numa caixa do banco) da Ilha de Chiquinho. Expectativa: Que a obra avance logo. Caso contrário, não teremos museu algum, já que os objectos não têm merecido devido cuidado.
6. A Língua cabo-verdiana foi tema, e conheceu alguns progressos em 2008, apesar da “ala regressiva”. O debate sobre o crioulo deve ser alargado, (e a língua é pujante, sabe-se) mas a sua instrumentalização e posterior oficialização interpelam questões de ordem técnica e política. Expectativa: que não tenhais receios.
7. O CD Spiga de Princezito é um corolário de cores, ritmos e cheiros. Foi a prenda que mais ofereci no ano de 2008.
8. José Luíz Tavares foi galardoado pelo Ministério da Educação do Brasil, com o prémio «Literatura para todos» pela obra inédita «Os Secretos Acrobatas». Em Novembro deste ano lançou na 8ª Bienal internacional do livro de Ceará a obra intitulada «LISBON BLUES seguida de DESARMONIA» (dois livros inéditos, reunidos num único volume). Em Moçambique, José Luíz Tavares lançara Cabotagem & Ressaca, publicado pela Escola portuguesa de Maputo: uma selecção de poemas de «Paraíso apagado por um Trovão», «Agreste Matéria Mundo» e inéditos.
9. A vitória de Barack Obama foi um momento ápice na história da humanidade (sim, senhor). Expectativa: que são se deposite demasiadas expectativas nas suas costas, nem pressões “incompreendidas” como as que já se notam por causa dos ataques em Gaza.
10. O falecimento de Miriam Makeba, a diva africana do Século XX, foi um forte aperto nos nossos corações. Expectativa: sejamos firmes, todos e todas.
11. De Francisco Fontes (jornalista português) recebi isso: “Em 2008 realizámos algo que, infelizmente, não é muito comum. Pela união de disponibilidades e de vontades, generosamente, conseguimos criar uma obra capaz de divulgar alguma da nova e boa poesia cabo-verdiana, com “Destino de bai! Foram projectos de crença, para os quais cada um teve uma participação decisiva. Cada contributo enriqueceu o projecto e tornou-o viável, e foi indutor de outras participações. Parece demasiado romântico, ou da dimensão do utópico, mas foi realizado. Conseguimos!” Expectativa minha: um lançamento em Cabo Verde em 2009, já que apesar de ter sido uma das participantes, ainda não tomei contacto com o livro.
Senti falta de ...
Mário Lúcio: Gosto dele no palco a cantar, e gosto das palavras do escritor (como de as ler). Por incúria minha, talvez, não tive esse prazer. Hoje, cruzei-me com ele no seu carrinho na descida de Achada Mato.
Matilde Dias: Muitas histórias e muitas reportagens ficaram pelo caminho sem o toque da Matilde.
Beto Dias: O novo disco já está pronto e só sai em Janeiro. Dias se distanciou das características que o destacavam nos Rabelados e nos seus primeiros dois discos, mas deixa falta.
Poesia, e de ti.
Receita de ano novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
24 de dezembro de 2008
Aquele abraço
23 de dezembro de 2008
O crioulo: da diversidade à oficialização
Até hoje me lembro da expressão de estranheza de uma prima badia,
quando ouviu, pela primeira vez, de mim a palavra "karabon" na variante do crioulo do Fogo: carvão em português, e "karvon" ou "karbon" na variante de Santiago. E de forma recorrente ocorrem-me palavras absolutamente típicas, senão "endógenas", que evidenciam a peculiaridade do crioulo falado no Fogo. Mário Fonseca disse há dias, numa mesa informal, que o crioulo do Fogo é tão duro, a ponto de os foguenses optarem por falar português, mormente em locais públicos, como forma de esquivar a essa "dureza". Não concordei e nem concordo com tal afirmação, mas admito que tenhamos saídas absolutamente únicas no nosso crioulo. Há dias na zona de Ponta Verde, no Fogo, ouvi com satisfação a palavra "paranpôbu" (parasita) e ocorre-me aqui "djongôtô" (de cócoras). O geógrafo José Maria Semedo escreveu que a Ilha do Fogo é uma extensão rural de Santiago, e é uma tendência, de facto, que se verifica muito na língua. Existem imensas similitudes entre o "crioulo fundo" de Santiago, (entenda-se rural), e o crioulo do Fogo falado pelos residentes que não estiveram expostos a influências de outras variantes ou de línguas outras. É o crioulo tão vernacular quão veicular que nos importa, hoje como nunca, acariciar, proteger e promover – e porque não? -, numa oficialização que respeite a diversidade e a riqueza deste elemento cultural que marca a Nação Cabo-verdiana, desde o século XVI.
imagem: magrite
18 de dezembro de 2008
O bilinguismo adiado
Depois de uma entrevista à linguista Dulce Almada, em Cabo Verde por estes dias, ocorreu-me escrever umas linhas sobre um argumento muito utilizado pela ala contra a oficialização do crioulo. Dizem alguns que a assumpção do crioulo passa pelo seu uso nos médiuns considerados de prestígio: na administração, nas escolas, nos tribunais, etc., e que o exemplo deveria vir dos defensores da oficialização do cabo-verdiano, ou seja, que os defensores da oficialização deviam apenas falar e escrever em crioulo.
Há falácias a desmontar nesta ideia. Antes de mais, é importante dizer que os defensores da oficialização do crioulo não almejam o desaparecimento do português, mas sim, tratamento paritário para as duas línguas veiculares em Cabo-Verde.
O que essa mesma ala parece não querer perceber é o trabalho partilhado por todos para se chegar ao desiderato da oficialização. Ninguém questiona a "superioridade veicular" da língua portuguesa face ao crioulo, devido ao seu uso preferencial nas estruturas oficiais. Em virtude de condicionalismos históricos, esta é uma realidade com que todos convivemos. Mas vale lembrar que as coisas não foram sempre assim. Com o surgimento do crioulo no século XVI, este se afirma como a grande língua veicular de Cabo Verde. Todos, sem excepção, falaram o crioulo em Cabo Verde até o século XIX, e não se tratava de um hábito menor se expressar na língua cabo-verdiana. Foi a partir de então que, por imposições e constrangimentos de ordem política, a elite intelectual assumiu e disseminou “entre os comuns” o sentimento de inferioridade face à sua língua materna.
Apesar dos “enfrentamentos” linguísticos ao longo da história, o crioulo continua pujante e a impor-se a cada dia. Mas, é claro, eu, tu, nós continuamos a escrever em português, e a falar o português na imprensa, nas universidades e na administração, e assim vai continuar a ser. Com a assunção plena do Alfabeto Cabo-verdiano (filho sedimentado do ALUPEC, diga-se) até à instrumentalização do crioulo, do seu ensino nas escolas até às decisões de ordem política, hoje, prementes, estaremos nós ou talvez os nossos filhos a escrever e a falar sem pejo algum a língua cabo-verdiana. Nikolas Quint, investigador e linguista francês, disse numa entrevista ao Jornal A Semana Online que "Uma língua que não se ensina de todas as formas está condenada no mundo de hoje".
O nosso atraso histórico: o “acantonamento” da língua cabo-verdiana à sua oralidade. E o desafio dialéctico que ora nos impende: assumir, emproar e igualar a nossa língua materna e nacional ao português que todos falamos ou almejamos falar na sua perfeição. A não ser que haja gente seriamente apostada em perpetuar tal atraso histórico, entrando assim em disputas imaginárias e agarrando no jogo labiríntico das variantes, numa alegada atrapalhação do ensino em si, através do crioulo. Pura ilusão.
17 de dezembro de 2008
Personalidade do ano
A revista norte-americana Time escolheu o Presidente eleito norte-americano Barack Obama como Personalidade do Ano 2008, na sua já tradicional escolha anual da pessoa que mais influenciou o mundo. “Ele atingiu a América como um trovão, revirou as nossas políticas, destruiu décadas de sabedoria convencional e destronou séculos de ordem social estabelecida”, refere um longo artigo publicado pela revista.
fonte: público.pt
Nós (destes tempos)
Nestes tempos
os estrangeiros
(aqueles que
investem nas nossas almas
e na sua incólume morabeza
na sua fiável amorabilidade
na sua fatal cordialidade
e nos amamentam
com a sua chuva colorida
metálica e cosmopolita)
disputam-nos
e aos pétreos adão e eva do pico de antónio
a génese da ilha e do banho baptismal nestas plagas
e declaram-se primogénitos
e legítimos donos da distância
que vai da ourela do mar
ao cume do monte mais alto
e do suor que a história
durante tantos séculos
fez escorrer nestas ilhas
e agora nus edénicos e hedónicos
(quase adâmicos)
se transfiguram
em corpos bronzeados
dourando-se sob o sol
e os límpidos céus do sahel insular
…
Cá vamos pois
badius e sampadjudos
todos muito kuls na preservação
das indispensáveis e urbanas rivalidades tribais
sem todavia, assevera o plástico mito,
descurar a híbrida e pan-arquipelágica
descendência de pós-coloniais sampadius
e o também híbrido harém de poetusas
docemente engajadas com a sensualidade
dos corpos bronzeados e emancipados
terra-longinquamente comprometidas com versos
dilacerados de engasgamento hídrico e comiseração social
Cá vamos pois
hodiernos de semi-solidão
pendularmente cansados
marcando horas errando nas peugadas da poeira
e não sei se no humor ciclotímico da bruma seca
ou se no amor urgente e clínico dos cooperantes
dos turistas dos investidores estrangeiros dos mandjacos
dos comerciantes chineses e dos demais cúmplices
deste amado e assaz lúdico purgatório…
poema: José Luís Hopffer C. Almada
título: pura eu
imagem: Abraão Vicente
16 de dezembro de 2008
Do crioulo aos radicais árabes
1. Terminou, ontem, na Cidade da Praia, o fórum sobre a língua cabo-verdiana que juntou linguistas fundadores do ALUPEC (Alfabeto Unificado para a escrita do cabo-verdiano), professores e escritores usuários do crioulo. Sabe-se que a meta deste momento é a instrumentalização da língua cabo-verdiana no sentido da sua assumpção efectiva (nas escolas, repartições, comunicação social) e posterior oficialização. Nessa linha, o fórum trabalhou sobre os avanços e os problemas encontrados na aplicação do ALUPEC. A variante a adoptar virá naturalmente, e já faltou mais. Para já, uma notícia se impõe, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, adoptou-se o ensino do crioulo de Cabo Verde (vide o nº de cabo-verdianos residente na América).
2. Assistindo ontem ao Telejornal da RTP chamou-me atenção o número de reportagens em áreas diversas dando conta das consequências da crise que assola a economia mundial: Instituições de caridade que recebem menos donativos, casos de vandalismo que aumentaram, Ministro das Finanças de Portugal a exigir aos bancos a cumprirem a suas obrigações cedendo crédito às empresas. Todos os dias notícias dão conta do encerramento de várias empresas em todo o mundo. Na nossa economia periférica, pelos vistos, as coisas ocorrem de forma inversa, pelo menos, a crer nos discursos que diariamente chegam às nossas casas.
3. Os radicais árabes congratulam-se com o “gesto” do jornalista que atirou sapatos ao presidente dos Estados Unidos George W. Bush, e exigem a sua rápida libertação. Pela distância simbólica que se me coloca a mim e a muitos de nós, só nos resta apreciar (no sentido pedagógico do termo) a “bravura” desses homens.
15 de dezembro de 2008
Nobas di Djarfogo
1. São Filipe ganhou nos últimos tempos novos points de lazer e comércio turísticos, o que emprestou mais vida à cidade, e contribuiu ligeiramente para o virar da página do angustiante silêncio daquelas ladeiras. No interior, as pessoas estão mais contentes com o resultado da boa azágua, e nada mais contagiante do que alegria de camponês.
2. A cidade ganhou finalmente (depois de um projecto de 12 anos) o seu Museu Municipal (no sobrado da foto). Um espaço que pretende apresentar as particularidades históricas, ambientais e culturais da Ilha do Fogo. Segundo a museóloga que trabalhou na sua instalação, o Museu Municipal de S. Filipe vai ser complementar à Casa da Memória, e não tem a pretensão de substituir as valências deste espaço, o que é muito bom. A equipa criou este blog onde pretende detalhar sobre as temáticas de abordagem do Museu.
3. "Bom doc", a nova provocação da já incontornável Cá Dja´r Fogo para projectar o novo ciclo 2009. "Expor o relacionamento entre o artista, o trabalho e a obra, ver de que maneira o corpo (as mãos, por exemplo) habita a sua pintura, a sua fotografia, o seu vídeo". A proposta arrancou oficialmente no dia 04 de Dezembro com o documentário "Pintura Habitada" sobre a artista plástica Helena Almeida.
Menos bom:
1. No Fogo, à par da falta de oportunidades típica das regiões consideradas periféricas, um outro problema afecta a população jovem local: a vontade desenfreada de emigrar para os Estados Unidos. Esse cenário é a causa maior da desmotivação generalizada na ilha, muito estribada na ausência de perspectivas e planos para o futuro.
2. A Ilha, mais do que qualquer outro sítio, continua ainda dividida por linhas partidárias, o que dificulta sobremaneira a consolidação de alguns projectos e ideias que dependem de comprometimentos mais alargados e estruturantes.
A música
O sol se levanta com as ondas que nunca dormem. É assim, sempre!
5 de dezembro de 2008
Os nós da solidão
II
Dantes havia os colonos
que alvos e algarvios
defronte das estátuas
e demais monumentos
de aquém e além-mar
bebiam sequiosos
o suco da cana
o sumo da terra
a espuma do mar
e raivosos
nos mandavam recolher
o bagaço sacarino
e as vértebras de outros restos
e em sarcasmo gregário
se reluziam ao sol
e seduziam a nua
e tisnada virgindade
dos subúrbios
II
Séculos depois
ainda alvos e algarvios
sob uma lua muito redonda
muito mais gregários e raivosos
do que dantes
por mor das colunas de fumo
que dos monumentos
se despenhavam
e despedaçavam o mar
por mor das efígies de bronze
que das penedias da cidade tombavam
os colonos
e os seus próceres islenhos
os colonos
e os seus rebentos indígenas
atravessaram o mar
velejando um ódio ainda mais amargo
e cada vez mais absentista
III
E ficámos sós
cogitando sobre os nós da solidão
e da nossa possível essência negra
E ficamos sós
reverberando ansiosos
os signos da desolação
ante o sibilino assobiar
dos alísios sobre os montes
e o oceano de todos os dias
e a sua inútil ondulação
vazia de veleiros e marinheiros
entre o cais de são januário na cidade da praia
e a foz do geba na guiné-bissau
entre a rua da praia de botes no mindelo
e o promontório do cabo verde em dakar-senegal
poema: José Luís Hopffer C. Almada
imagem: Abraão Vicente
3 de dezembro de 2008
Dias que ficam...
1. “Existe uma relação intensa entre Cabo Verde e o Brasil que se dá via Fortaleza, mas o Brasil, pelo menos, não sabe disso. Temos que fazer alguma coisa para inverter esse quadro.” Foi mais ou menos esta ideia que o director da TV Cultura, o nomeado jornalista Paulo Markun, me passou numa reunião que tivemos naquela que é, sem margens para dúvida, a TV que produz melhores conteúdos no Brasil. Essa ideia ainda embrionária pertence a uma realidade futura, mas com pernas para andar.
2. 1º Seminário de Estudos cabo-verdianos
É importante perceber que a ideia de Markun, apesar de tudo, não está longe do presente se atentarmos àquilo que acaba de acontecer na Universidade de São Paulo: O primeiro Seminário Internacional de Estudos Cabo-verdianos sob o sugestivo lema Contra Vento Pedra-a-Pedra em homenagem ao poeta Luis Romano, cabo-verdiano residente no Brasil há largos anos. Foram quatro dias (25 a 28 de Novembro) de conferências e debates centrados na literatura, e que incluiu mostras de vídeo, das artes plásticas, e da moda tradicional das ilhas, e uma feira de livros cabo-verdianos. O evento foi coordenado pela professora Simone Caputo Gomes, ensaísta e pesquisadora brasileira, considerada a maior especialista em Literatura cabo-verdiana no Brasil. Há vários anos, Caputo Gomes tem tematizado Cabo Verde em importantes universidades brasileiras, incluindo a USP, na qualidade de coordenadora de estudos da literatura africana em Língua Portuguesa.
Marcaram presença no certame escritores, poetas, artistas, jornalistas, professores, estudantes, e pesquisadores de Cabo Verde e do Brasil. O 1º Seminário Internacional de estudos cabo-verdianos da USP veio para ficar e terá continuidade nos próximos anos.
3. Museu afro-brasil
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) – foto - é um nome lendário no Brasil, e deveria ser mais ainda, caso não fosse ela uma negra que morreu na miséria sem poder usufruir das suas reais capacidades de escritora. Ganhava a vida como empregada doméstica, e terminou a jornada terrena a catar papéis nas ruas de S. Paulo. Escreveu vários livros (inspirada em livros que lia, na sua vivência miserável, e na vida mais ao largo que seguia pelas páginas dos jornais). Uma das suas obras (Quarto de despejo) foi traduzida para 14 línguas, mas no cenário social de então nem ela mesma chegou a ter a devida percepção do seu talento. A sua obra completa (os manuscritos, inclusive) é parte do acervo do Museu Afro-Brasil, o espaço que alberga toda a temática da vida e da cultura negra daquele país latino-americano: a história, a sociedade, a culinária, a música, o teatro, a TV, a fotografia, o cinema. Uma grandiosa obra, cuja idealização e montagem contou com o empenho pessoal do curador Manoel Araújo, um destacado colecionador de artes do Brasil que ousou e conseguiu que a contribuição incontornável dos negros no Brasil não se perdesse na noite dos tempos, nem caísse no esquecimento dos dias. Um grande senhor que merece desta humilde que vos fala todo o axé do mundo. O museu afro-brasil situado no Parque do Ibirapuera em São Paulo é um lugar espantoso e encerra muitas raridades no seu interior. É ainda um espaço dinâmico com uma biblioteca (chamada Carolina Maria de Jesus), promove e sedia cursos, aulas práticas e conferências, e o mais interessante para nós, mantém uma relação interessada com a África, através das exposições itenerantes de artistas e instituições de alguns países africanos que recebe com frequência. Outra porta que se encontra aberta para os nossos artistas de fé.
4. A criança, a mulher e o cão (a ilusão dos dias)
Um retrato que apenas muda de lugar,
num espaço relacional,
traido em constância
pelo tempo,
pela sombra,
ilusório quando insistimos na sua condição
relacional
ilusório
como um retrato que muda de lugar
para preencher o vazio dos dias.
5. Os momentos depois da anunciada pausa regressa com o firme propósito de caminhar, sem nunca deixar de dobrar a esquina e interpelar os seus deuses (lembrando o poeta) ...
21 de novembro de 2008
A vida dos dias...
Muitas histórias poderiam ser alinhavadas e recordadas por estes dias. A tua, de certeza; a tua inteira vida que surpreende todos os dias, e irrompe os anos, e o século, mostrando-se plena para quem se segue a olhar para ti. Os dias calmos, ao som das pujantes ondas “di fonti bila” que ousas, com sabedoria, desvendar e saborear. Os dias de tumúlto que ultrapassas com gargalhadas ou um simples sorriso. O jogo de “bisca” diário que, parecendo que não, é uma forma sábia de te encarares e enfrentares os dias. “Te dedico”, pelos dias, e pelos Novembros, que hás-de pisar com a mesma sabedoria e generosidade.
Em ti
Há momentos bons, de tanto se revelarem
Novembrinos
Fortes, valentes
Luzem, o brilho azul, no teu olhar.
Vou
Em busca do meu Novembro.
nota discreta: Os momentos irá fazer uma pequena pausa …
Em ti
Há momentos bons, de tanto se revelarem
Novembrinos
Fortes, valentes
Luzem, o brilho azul, no teu olhar.
Vou
Em busca do meu Novembro.
nota discreta: Os momentos irá fazer uma pequena pausa …
19 de novembro de 2008
Cidade II
in memoriam de João Henrique (Dick) Oliveira Barros e V. Fernandes
Eu sei!
O cerco se aperta
e, perto,
ouve-se o ganir dos cães
Na cidade da Praia de Santiago
(nesta rochosa transfiguração
da velha e antiga metáfora de cidade santa )
deus esvaneceu-se
abatido e receoso
de ser enforcado
com as cordas
do destino e do vento
E foi então
foi só então
que os mercadores
(de estórias e de outros apetrechos
da frustração do corpo e da claudicação da alma)
decidiram escolher
um novo deus
como eles
sarcástico
e detentor
do metálico dom
da gargalhada
Eu sei!
A invisível cerca
cerra o seu eco
à volta da minha alma
Que farei
sem o meu Deus
e sem a maçã
senão estilhaçar o cerco
e a sua ameaça de estoricídio
açoitar o vento
repicar os pés no chão
e retinir um djato
na cara da consonântica arrogância
dos mercadores
e dos que bailam ao vento?
José Luís Hopffer C. Almada
imagem: Lasar Segall
18 de novembro de 2008
Um instante
Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente
poema: gullar
imagem: gondim
17 de novembro de 2008
Cultura em debate
Promover Cultura, na sua expressão múltipla e criativa. Trabalhar para a sua sustentabilidade e preservação… são as metas do Fórum Internacional sobre a Economia da Cultura que arrancou, hoje, na Cidade da Praia. O encontro organizado pelo Ministério da Cultura reúne autoridades, promotores culturais e artistas, nacionais e estrangeiros.
Quatro dias de trabalho e que, conforme o Ministro da Cultura Manuel Veiga, marcará uma iniciativa despoletadora de mudança, transformação e certezas. O financiamento, a gestão cultural, a criação artística, o diálogo inter cultural, a sustentabilidade são as linhas-mestras deste encontro.
A falta de uma política cultural coerente e de uma visão pragmática face à preservação e promoção culturais tem sido uma das críticas unânimes dos operadores e homens de cultura em Cabo-Verde.
As responsabilidades, nesse campo, devem ser partilhadas. Quem o diz é o Presidente da República. A problemática da formação dos agentes culturais, o conhecimento das obras e dos produtos culturais e sua divulgação são os aspectos críticos. Chamadas à problemática estariam também a educação e a comunicação social como elementos integradores fundamentais do universo cultural.
E porque de simbologias e suas representatividades se vai falar nesses quatro dias de trabalho, o Presidente Pedro Pires evocou, a abrir o Fórum, as memórias de Miriam Makeba e de Pedro Cardoso, como símbolos endógenos e exógenos de Cultura.
Diversidade Cultural
A troca de experiências vai ser uma modalidade forte desse fórum. Destacamos, por exemplo, a presença do Presidente da Fundação Cultural Palmares do Brasil, Zulu Araújo. Uma das fortes recomendações dessa Instituição (parceira do MC) às autoridades culturais de Cabo Verde, vai no sentido da implementação e do seguimento da convenção da UNESCO sobre a Diversidade Cultural. Um elemento que, conjugado com os incentivos e a legislação, fortalece as políticas públicas para a promoção e divulgação da cultura nos países em desenvolvimento.
foto: adenor gondim
16 de novembro de 2008
Penso em ti
EU PENSO em ti nas horas de tristeza
Quando rola a esperança emurchecida
Nas horas de saudade e morbidez
Ai! Só tu és minha ilusão querida
Eu penso em ti nas horas de tristeza.
Vê quanta sombra me escurece o seio!
Que palidez sombria no meu rosto!
Tu és a única luz da treva em meio
Tu és a minha estrela do sol posto...
Contigo a sombra não me tolda o seio.
Quando a teus pés o meu viver s'escoa,
Esqueço a minha sorte, o meu martírio,
Minh'alma como a pomba em sangue voa
Para ir se abrigar à tua, ó lírio,
Quando a teus pés o meu viver s'escoa ...
Bendito o riso desses lábios túmidos!
Bendito o meigo olhar tão peregrino!
Como o sol abre a flor nos campos úmidos
Crenças desperta o teu divino olhar...
E o riso, o riso desses lábios túmidos
Ai! volve! volve peregrina estrela...
Minh'alma é o templo de um amor suave
À tua espera o lampadário vela...
À tua espera perfumou-se a nave...
Ai! volve! volve peregrina estrela!
Saudade
Em todos os Novembros “te dedico” peregrina estrela. Sempre ao teu brilho que atravessa
o tempo, sigo olhando para ti. Castro Alves (poema), Adenor Gondim (foto), duas cintilações que povoam o teu vasto céu.
Um abraço…
A Adenor, pela manhã de Novembro, e pelas três alegrias de ver e ser.
15 de novembro de 2008
Intermezzo (na tela)
No Brasil, muita gente, em determinados círculos, assume que assiste às telenovelas para as criticar. Não sei como funciona noutras paragens onde existe uma cultura de teledramaturgia. De todo o modo, este tipo de crítica é um exercício de interpretação saudável (quando for desapaixonado) que revela muito do real, ou da sua construção. O certo é que o embalo da crítica desemboca no apego, e no final estão todos a cogitar o desfecho de cada personagem. Mas há sempre aqueles que conseguem resistir tanto à crítica quanto ao passatempo.
Pessoalmente, interesso-me pela dramaturgia e consigo sempre me surpreender com um ou outro detalhe de representação. Um actor secundário que se impõe e, em se tratando de uma obra aberta, vai ganhando mais presença; um outro, cujo desempenho não encaixa como o previsto no desenrolar do trama, e vê o seu destino redesenhado, e por aí fora.
Desta feita, tenho prestado atenção em Wagner Moura, o vilão Olavo Novaes, da telenovela "Paraíso Tropical": um executivo ambicioso que se apaixona por uma prostituta e, nesse misto entre o sensível apaixonado e o durão ambicioso, vai ser implacável e surpreendente.
Wagner Moura assume-se como um homem do teatro. Do palco, ele saltou para o cinema, brilhando (como vilão) no papel do polémico capitão Nascimento em "Tropa de Elite". Ele terá proferido esta frase: "O teatro me liga ao sagrado". Mais um baiano que aprecio muito.
Momentos fantásticos
Inicialmente quis que esse blog se chamasse "moments", em inglês mesmo, dando ares de leveza e detalhes, mas depois tive a impressão que podia confundir e parecer um diário romântico. Nada contra o estilo, entretanto. O objectivo, de facto, era falar de assuntos que ficaram (no presente e no passado) pela sua pertinência, pelo detalhe, pelo interesse e, sobretudo, pela poesia. A ideia era, e continua a ser, um compromisso com o trabalho e a honestidade. Momentos fantásticos que, pela sua generosidade intrínseca, acabam sendo de encontros e partilhas (de toda a casta).
Por conseguinte…
"Os momentos" tornou-se um blog que emite exclusivamente pontos de vista da sua autora, além de factos, informações e entrevistas, todos publicados com sentido de responsabilidade, trabalho e respeito pelas opiniões outras. Parâmetros, aliás, que orientam a lisura de quem
escreve estas linhas na sua profissão de jornalista.
Considerar alguns dos textos aqui publicados de mais ou menos felizes, e discordar do seu teor, é direito que assiste a quem se dá ao trabalho de acesso a este site. A autora destas notas escreve regularmente neste blog, pesquisando muito para fazer alguns dos textos aqui publicados e fá-lo por puro brio, sim senhor. Ela é a mesma que faz, por iniciativa própria e à margem de qualquer agenda imposta, os programas emitidos na Televisão de Cabo Verde, conhecidos e apreciados por muitos. Programas também emitidos na RTP África, e exibidos em vários encontros internacionais organizados sobre Cabo Verde. Neste particular, o modesto, mas autêntico, portfolio da autora fala por si e retrata quem está por detrás de certas posições e posturas.
Antes que anoiteça
Em verdade, ela só responde às reacções dirigidas à sua pessoa, coisa, aliás, que certos não conseguem fazer nem mesmo nas entrelinhas e nas frases dúbias que revelam o carácter de quem as profere. Margarida Fontes não está mandatada para falar do serviço público da Televisão de Cabo Verde e muito menos de casos obscuros que levaram a atitudes enérgicas tomadas pela administração da RTC em relação a gritantes fretes de um certo jornalismo a "piratear nestas ilhas" .
O breu
Seria certamente mais bem sucedida uma certa senhora no seu esforço de pintar "frescos" de um jornalismo de pacotilha, que não lembram a assessorias mais bem urdidas, se a mesma se desse ao trabalho de olhar Cabo Verde sem exotismos tanto para o bem como para o mal, como mandaria um jornalismo com ética e deontologia, não importando a nacionalidade e origem de quem o faz. Mas seria pedir demais. Enquanto uns, como escreve, fazem notícias com base em press releases, outros, têm como fontes de eleição para as suas reportagens "de fundo", informações viciadas de brochuras turísticas, e revistas de bordo, quando não de assessorias políticas.
Pela "claridade"
A Jornalista Margarida Fontes, como se recorda, teve sempre a oportunidade de escolher entre um jornalismo enpacotado, engomado, e encomendado a peso de ouro, e a lida na Televisão de Cabo Verde. Ela escolheu fazer jornalismo sério, isento e sem fretes. Escolheu também fazer um blog de autenticidade e de posturas que, nem sempre, sossegam "verdades instituídas" e seus gladiadores. Cada um sabe do que lhe preenche a alma.
14 de novembro de 2008
Piratas das Ilhas
“Exportação de azeite falsificado para Cabo Verde faz dois arguidos em Portugal”. É triste ler esta notícia, muito triste, porque não fica pelo azeite. O problema não está na infracção que acontece a todo o lado com qualquer um, e que pode ser minimizado com mais controlo. O problema, sempre acho, está na cabeça e na atitude das autoridades cabo-verdianas. É só ver como grupos e indivíduos chegam a este país e tornam-se empresários de noite para o dia, quando se sabe que nos seus países, alguns, não passam de fugitivos da polícia. Alguns desses casos são noticiados na Imprensa, e os larápios continuam soltos e a aldrabar tudo e todos. Slavery mentality e os seus tentáculos…
Novos escribas
Tem sido notório e crescente, aqui e acolá, a multiplicação de artigos de jornais e posts na net de jornalistas que decidem vir a Cabo Verde tentar a sorte, e mais não fazem do que espartilhar o nome do país. Já tentei pensar que talvez seja isso fruto da juventude, gana de dizer, demonstração de bravura, ou alucinação… sim, porque alguns, nos seus países de origem, só tiveram a sorte de publicar em jornais dos corredores universitários.
Essa malta precisa trabalhar mais, despir-se de preconceitos e olhares outros, e entender Cabo Verde nas suas múltiplas nuances: um país que sobreviveu às secas, à fome, à miséria, à escravatura, à colonização: um grande país de brava gente! Sim, um país que padece de falhas, deficiências, várias, que está ainda a aprender muita coisa, mas caminha com cabeça erguida. Quando decidirem apontar os males, porque os há, chamem nomes aos bois, falem dos vossos patrões. Os “dons” que pagam os vossos chorudos salários.
13 de novembro de 2008
O imprescindível “manduco”
Há 66 anos, falecia, na Cidade da Praia, Pedro Monteiro Cardoso, um dos mais consequentes intelectuais de Cabo Verde. Aquele que, por vezes e em plena noite colonial, tinha o pseudónimo de AFRO. Era natural da Ilha do Fogo, com mais precisão da Cidade de São Filipe.
Pedro Monteiro Cardoso pertenceu, com Eugénio Tavares e José Lopes, à chamada (por uma certa crítica escolástica, diga-se de passagem) Geração dos Nativistas. Polemista, poeta e prosador do melhor gabarito nacional, ele cantou a caboverdianidade, a insularidade crioula e a africanidade. Também se posicionou como um activista em prol da língua cabo-verdiana e do folclore de Cabo Verde, com incursões incisivas sobre o folclore foguense.
Foi fundador, proprietário, director e editor do jornal O Manduco (Fogo, 1923-1924) e, juntamente com João Lopes (S. Nicolau, 1884-1979), foi responsável pelo jornal (socialista) Cabo Verde (S. Vicente, 1920-1921), tendo colaborado em vários outros jornais cabo-verdianos e portugueses.
Sessenta e seis anos sobre a morte de Pedro Monteiro Cardoso, temos a vaga impressão que uma verdadeira homenagem ainda não lhe foi feita. Vale ressaltar que o antropólogo Manuel Brito Semedo lança, hoje, em S. Filipe o livro Pedro Cardoso “Textos Jornalísticos e literários”, no âmbito de uma série de actividades organizadas pela casa Dja`r Fogo.
Gostaria de ver assumidamente a cidade de São Filipe, e Cabo Verde, numa reflexão sobre a vida e a obra do seu filho dilecto …
Desabafo
Com emoção conheci há poucos dias um neto de Pedro Cardoso, e soube que um filho do poeta (muito adoentado) ainda vive na zona de Fazenda na Cidade da Praia. É lamentável perceber que o coveiro do cemitério da várzea não consegue indicar a campa do malogrado poeta: uma demonstração de desleixo generalizado. Ocorreu-me logo a imagem de Eugénio Tavares e a facilidade imensa dos bravenses em indicar a sua eterna morada. Desabafos apenas, lamentos…
Bibliografia do poeta
Primícias (Lisboa, 1908); Caboverdeanas (Lisboa, 1915), Jardim das Hespérides (Vila Nova de Famalicão, 1926), Duas Canções (Lisboa, 1927); Algas e Corais (Vila Nova de Famalicão, 1928); Hespérides. Fragmentos de um poema perdido em triste e miserando, naufrágio (Vila Nova de Famalicão, 1930); Folclore Caboverdeano (Porto, 1933); Conferência no "Teatro Virgínia Vitorino" (Praia), em 30 de Dez. 1933 (Porto, 1934); Cadernos Luso-Caboverdianos. 3 volumes: (1) E mi que ê lha’r Fogo (Fogo, 1941), (2) Ritmos de Morna (Praia, 1942), (3) Sem Tom Nem Som (Praia, 1942); e Lírios e Cravos (Ermesinde, 1951).
10 de novembro de 2008
Orgulho e Pesar
“Os momentos” remarca com um misto de pesar e “orgulho” o falecimento hoje, aos 76 anos, da cantora sul-africana, Miriam Makeba - foto -, aquela que foi a mais combativa e internacional cantora do continente africano. Com um estilo único combinando o jazz, o folk e outros ritmos tradicionais da África do Sul, Miriam Makeba soube cantar em nome da África, e contagiar os palcos e artistas de boa parte do mundo; a dor, a opressão, mas também a liberdade, o sonho, e o futuro: Mamma África, Pata Pata e Malaika foram hinos do mundo.
“People think I consciously decided to tell the world what was happening in South Africa. No! I was singing about my life, and in South Africa we always sang about what was happening to us — especially the things that hurt us”.
Miriam Makeba cantou até ao último dia de sua vida, como sempre quis.
Premiados
José Luis Tavares, poeta, e Glaucia Nogueira, jornalista brasileira que reside em Cabo Verde, foram dois dos nove premiados no II Concurso Literatura para Todos promovido pelo Ministério da Educação do Brasil.
O valor do prémio é de 10 mil reais, com posterior publicação. José Luis Tavares foi galardoado com a obra inédita “Os Secretos Acrobatas” e Glaúcia Nogueira com a versão infantil de “O Tempo de B. Léza – Documentos e Memórias", primeiro livro da autora.
Aos dois amigos os meus parabéns.
7 de novembro de 2008
O paradigma Obama
Desde a campanha para as primárias do Partido Democrata que Barack Obama galvanizou a atenção dos Estados Unidos e do Mundo, certamente, num primeiro momento, pela cor da sua pele. Não que uma simples coloração mais pigmentada fosse, por si, indício de boas capacidades. Obama chegou onde chegou por causa do seu percurso de grande mérito, de uma capacidade de liderança surpreendente e de uma qualidade intelectual sem precedentes. Entrementes, a questão racial marca presença incontornável na América e ela não poderá ficar fora de uma análise complexa. Do meu ponto de vista, os analistas nacionais e internacionais não devem fugir a tal remarque…
A eleição de Obama, para os negros da África e a vasta Diáspora Africana, mais precisamente os afrodescendentes, é por demais histórica. É ver as lágrimas de emoção nas faces do activista Jesse Jackson e apresentadora televisiva Oprah Winfrey no momento do comício da vitória em Chicago; É ouvir a entrevista de uma centenária negra americana que incrédula se emociona com a eleição de um presidente negro e se recorda da época em que não podia votar porque os negros não tinham esse direito. Chorei também eu, aqui em Cabo Verde, assistindo ao júbilo indescritível, um misto de sublimação e orgulho dos americanos (jovens, sobretudo), perante a "magia" e o brilhantismo de um presidente mestiço (filho de um negro e de uma branca), eleito num País que, nos últimos anos, vinha acumulando descrédito e odioso aos olhos do Mundo.
Registo com satisfação a esperança que renasce em África, um continente devastado sob todas as perspectivas, com a chegada à Presidência do País mais poderoso do Mundo de um afrodescendente. O vilarejo queniano Kogelo onde residem os familiares de Obama, faz fronteira com Uganda, que é vizinha de outras Áfricas, outras nuances de uma mesma matriz. As mães de todas as diásporas negras choraram de alegria no dia 4 de Novembro.
Que o exemplo de Obama sirva de inspiração não só para a América, mas para o Mundo. Que um país como o Brasil, onde os negros ainda ocupam patamares vergonhosos de cidadania, comece a se posicionar para um cenário de mais equilíbrio e oportunidades para todos.
A construção de um novo mundo passa, sim, pelo empowerment dos negros, e pelo reerguer do continente africano. Yes, We Can. Este é o paradigma subjacente, mas nem por isso esquecido, que me soe aventar nesta hora em que Baraka Obama se tornou o 44º Presidente dos Estados Unidos da América!
6 de novembro de 2008
O poder e Obama*
Poderia começar este artigo por trocar a ordem das palavras deste título: Obama e o Poder. A retumbante vitória de Obama nas eleições norte-americanas soa para os EUA e para o Mundo com o som fonético e, sobretudo, com o valor semântico de um verdadeiro «hossana». «Hossana», do hebraico «hoshi’anna» quer dizer: «salva, peço-te». Obama, no contexto actual da situação dos EUA e do Mundo, encarna essa petição: «Salva-nos».
Quem estendeu esta passadeira para esta triunfal entrada de Obama na Casa Branca foi George W. Bush. Bush deixa a mítica branca residência com o mais baixo índice de popularidade de sempre (26%). Nos EUA e no Mundo havia um enfado muito grande por este homem que, simbolicamente, guarnecido do maior poder do Mundo estava a cavar a mais profunda onda de falta de confiança. A crise financeira actual, melhor dito, a crise do sistema financeiro foi óbito final de dois mandatos que denegriram o papel motor dos EUA face ao estado do Mundo. Iraque, Afeganistão, Irão, Palestina, Israel, não são apenas nomes e histórias de países. São capítulos, dossiês, alforges de problemas que a administração Bush deixa em legado ao próprio Obama. E só por manobra ilusionista ou fraca consciência do estado actual dos EUA e do Mundo alguém pode ignorar que o caminho de Obama está cheio de minas e armadilhas.
Obama chega em ombros à Casa Branca porque do fundo do túnel surgiu o custo zero de toda a esperança. Praticamente desconhecido, sem ter andado nos corredores do Poder a ter de cumprir falsas promessas, homem simples, a bem dizer meio negro, meio branco, «nascido a pulso» como tanta aprecia a mitologia americana, com uma mensagem da força do que pode valer o querer, com um apelo forte e renovado de que o «sonho americano» ainda está por cumprir, de linguagem simples e voz firme e sonora, Obama, por seu mérito e não só, reunia as óptimas condições para ser o vulto e o promontório de uma nova réstia de esperança para todos aqueles que estão em vias de perdê-la por completo. E se são indesmentíveis as qualidades pessoais de Obama, as circunstâncias conjunturais da actualidade encontraram nele o modelo exacto, para numa operação de marketing político numa democracia e que acima de tudo é profundamente mediática, montar uma campanha eleitoral de indiscutível êxito. Como já alguém disse, neste sentido, até o nome ajudava, era verdadeiramente um nome de marketing Barack Obama. A mobilização do eleitorado multiétnico norte-americano foi grandiosa. O entusiasmo contagiante. O ambiente de festa na saudação da nova era que despontava tornou-se empolgante. Obama é o novo presidente dos EUA.
Obama chegou ao Poder. A partir de agora começa a maratona da gestão desse poder conquistado e conferido pela grande maioria dos norte-americanos. De um poder que deixará de ser apenas de Barack Obama mas da Casa Branca. O mesmo seja dizer da poderosa teia de poder que governa os EUA.
Não é só a crise financeira e do próprio sistema que traz as incertezas dos tempos que vivemos. É a própria crise dos «fundamentos do sistema democrático como a legitimação e justificação do poder» em profunda mudança (Timóteo Alvarez, em «Gestão do Poder diluído», 2006).
É importante para o Mundo que Obama não se transforme em mito, mas no novo nome do Poder.
* Paquete de Oliveira (cedido pelo autor)
Quem estendeu esta passadeira para esta triunfal entrada de Obama na Casa Branca foi George W. Bush. Bush deixa a mítica branca residência com o mais baixo índice de popularidade de sempre (26%). Nos EUA e no Mundo havia um enfado muito grande por este homem que, simbolicamente, guarnecido do maior poder do Mundo estava a cavar a mais profunda onda de falta de confiança. A crise financeira actual, melhor dito, a crise do sistema financeiro foi óbito final de dois mandatos que denegriram o papel motor dos EUA face ao estado do Mundo. Iraque, Afeganistão, Irão, Palestina, Israel, não são apenas nomes e histórias de países. São capítulos, dossiês, alforges de problemas que a administração Bush deixa em legado ao próprio Obama. E só por manobra ilusionista ou fraca consciência do estado actual dos EUA e do Mundo alguém pode ignorar que o caminho de Obama está cheio de minas e armadilhas.
Obama chega em ombros à Casa Branca porque do fundo do túnel surgiu o custo zero de toda a esperança. Praticamente desconhecido, sem ter andado nos corredores do Poder a ter de cumprir falsas promessas, homem simples, a bem dizer meio negro, meio branco, «nascido a pulso» como tanta aprecia a mitologia americana, com uma mensagem da força do que pode valer o querer, com um apelo forte e renovado de que o «sonho americano» ainda está por cumprir, de linguagem simples e voz firme e sonora, Obama, por seu mérito e não só, reunia as óptimas condições para ser o vulto e o promontório de uma nova réstia de esperança para todos aqueles que estão em vias de perdê-la por completo. E se são indesmentíveis as qualidades pessoais de Obama, as circunstâncias conjunturais da actualidade encontraram nele o modelo exacto, para numa operação de marketing político numa democracia e que acima de tudo é profundamente mediática, montar uma campanha eleitoral de indiscutível êxito. Como já alguém disse, neste sentido, até o nome ajudava, era verdadeiramente um nome de marketing Barack Obama. A mobilização do eleitorado multiétnico norte-americano foi grandiosa. O entusiasmo contagiante. O ambiente de festa na saudação da nova era que despontava tornou-se empolgante. Obama é o novo presidente dos EUA.
Obama chegou ao Poder. A partir de agora começa a maratona da gestão desse poder conquistado e conferido pela grande maioria dos norte-americanos. De um poder que deixará de ser apenas de Barack Obama mas da Casa Branca. O mesmo seja dizer da poderosa teia de poder que governa os EUA.
Não é só a crise financeira e do próprio sistema que traz as incertezas dos tempos que vivemos. É a própria crise dos «fundamentos do sistema democrático como a legitimação e justificação do poder» em profunda mudança (Timóteo Alvarez, em «Gestão do Poder diluído», 2006).
É importante para o Mundo que Obama não se transforme em mito, mas no novo nome do Poder.
* Paquete de Oliveira (cedido pelo autor)
5 de novembro de 2008
Obama: o eleito
"Obama va régénérer la marque Amérique comme Jean Paul II a relevé la marque papauté"
Andrew Sullivan (analista francês)
4 de novembro de 2008
Impressões... e notas
1. Hoje é o meu dia: a minha madrinha completa em S. Filipe 105 anos e vai cortar um bolo em Curral Grande. Como já tive oportunidade de escrever neste post, Felismina Mendes encerra um episódio interessante na história do Fogo e pour cause… deste país. É a última filha viva de Nhô Henrique, o dono de sete palhabotes que faziam as viagens Cabo Verde Estados Unidos, dentre os quais o navio Ernestina.
2. É também meu e nosso dia por causa de Obama: que já é, antes de tudo, o eleito da esperança.
1. Hoje é o último dia dedicado à conferência “Mestiçagem socioculturais e procura de identidade na África Contemporânea: o caso dos países africanos lusófonos” a decorrer desde ontem na Cidade da Praia. A iniciativa é uma parceria entre a Codesria e a UNICV, que, de si, é interessante porque demonstra o início de um afrontamento intelectual mais directo com o continente africano, que pode ser, inclusive, uma achega ao ideário da Integração regional. Gosto de ter pensamentos positivos.
2. De 6 a 9 de Novembro decorre em Salvador da Bahia o primeiro Colóquio África e Diáspora sob o lema: O lugar da mulher negra na geopolítica: refletindo sobre os desafios das lutas contra a pobreza e o racismo. Uma iniciativa da União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO). “o objetivo mais geral é de redesenhar cartografias de fronteiras da afro-descendência, dando visibilidade a produções, práticas e projetos em que a mulher negra seja não mais objeto mas sim protagonista e sujeito.” A engrossar a lista de activistas de renome, documentaristas e estudiosos, Cabo Verde marca presença com Edeltrudes Pires Neves.
3 de novembro de 2008
Yes, we can!
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Mãos dadas: Carlos Drummond de Andrade
31 de outubro de 2008
Diálogo musical
"Os momentos” recorda o livro Kab Verd Band do jornalista Carlos Filipe Gonçalves, e convida os interessados a relerem aqui uma entrevista sobre o livro que o autor nos concedeu em 2006.
“Julgo que só agora é que nos tomamos consciência da força da nossa música, a potência que nós somos, porque antes, havia a noção do clássico... a literatura era arte nobre, a música nobre seria a música clássica e nós não tinhamos a música clássica, música erudita...”
Ainda que pouco actualizado, indicamos o blog do jornalista que pretende ser um espaço de diálogo musical. Quem sabe com mais visitas, o espaço ganhe ritmo, já que assunto certamente não faltará ao autor.
Obama: one World. one Dream
(...) mesmo que somente para ultimar
as orações os cantos fúnebres as odes
aos aguardados bárbaros aos bufallo soldiers
aos coveiros da penúria e da humilhação
aos secularmente esperados libertadores da pátria
finalmente acampados e aclamados
no bíblico e breve coração da opressão
tais cavaleiros de samory e menelik
tais porta-estandartes de al-mahdi abdel kader e alboury ndjay
entretecidos com as redemption songs de marley
o sonho de frederick douglas e martin luther king
as palavras límpidas e fraternas de amílcar
nos multicoloridos e proféticos tempos de mandela
nas inesperadas pós-invernais estações de obama
(...) mesmo que somente para chorar e cantar
mesmo que somente para rezar e dançar
defronte das urnas temerárias
e das suas sombras destemidas (...)
extrato de Australidades
autor: José Luís Hopffer C. Almada
30 de outubro de 2008
Toxic system
A Electra é uma empresa que presta com muita deficiência o serviço de fornecimento de água e energia em Cabo Verde. Isso todos sabemos, e sentimos na pele. Pior do que o serviço é a falta de tacto dos seus responsáveis nos seus contactos com a imprensa ( e por via, com os cidadãos). É só ver o jeito desinteressado como um dos engenheiros dessa empresa nos serviços da Praia enfrenta os jornalistas: as vezes que decide falar à imprensa, abdica do entusiasmo, revisita o seu lado antipático e assume as avarias técnicas da Electra com frieza sem demonstrar o mínimo de esforço para a resolução do problema. É assim todas as vezes que resolve falar à comunicação social. Porque não arranjam um porta voz? Sim, porque o engenheiro deve ser bom no que faz, não nas relações públicas!
In(digna)ção
É no mínimo estranho a capacidade selectiva de indignação de alguns gatos pingados deste país, e pode ser considerado a qualquer momento mais um caso típico destas paragens. Escandalizados com a denúncia do presidente da CMP em relação ao dinheiro que uma empresa de comunicação alegadamente recebeu da anterior edilidade. Se o proprietário de facto recebeu o montante a que se refere o edil, deve se explicar.
Mas em Cabo-Verde já houve coisa pior, muito pior: fortes suspeitas de tentativa de lavagem de dinheiro na Imprensa. Isso não causa indignação? Alguém, ou grupo algum dia resolveu se explicar perante algumas contradições? Esses rompantes selectivos de moralismos cheiram a golpes eleitoralistas e só demostram que estamos a caminhar mal, muito mal....
Toxic wast
Afinal, discurso ambientalista deixou de ser disparate?!
29 de outubro de 2008
Setembro
Obcecado face ao verde
eis-me aqui acarinhando
a tôssa
(a tosse vegetal
ondulando ao vento)
a bordolega
(legado de fome e finura
do cadáver ilhéu
das contendas das estações)
a seta
a pega-saia
(que nos pregam o estômago
ao verde vómito do louco deus
dos nossos céus)
a ora-porra
Ora porra, é mesmo isso!
(...)
José Luís Hopffer C. Almada
23 de outubro de 2008
Uma questão de tempo...
Foi curioso assistir, ontem, no Jornal da Noite ao apelo do Ministério da Educação e do Bispo D. Arlindo Furtado, obviamente em situações completamente dispersas, ao resgate dos valores familiares e ético-sociais. É evidente que a situação da insegurança e do estrangulamento social que se vive em Cabo Verde estão na base desse desespero. Lamentável mesmo é perceber que as instituições se acomodam no seu pedestal e deixam de cumprir o seu papel com naturalidade. A cidadania desde a tenra idade e o fair play devem ser uma constante, na teoria e na prática, da agenda do Ministério da Educação. E a Igreja católica em Cabo Verde só agora é que percebeu da perda vertiginosa da sua capacidade de mobilização?
Valor sentimental
Nunca me desfaço de uma escova de cabelo azul já velhinha que tenho desde os meus nove anos. Foi uma das prendas da minha madrinha que no próximo dia 4 de Novembro completa 105 anos. Se eu fosse o presidente da Câmara de S. Filipe promovia uma festa de aniversário à Nha Filó por tudo o que ela representa. Não pela festa em si que acontece todos os anos, mas sim pelo motivo simbólico de homenagear a própria cidade que o elege há quase 20 anos...
20 de outubro de 2008
Gil desafia a banda
Um disco sem banda, sem cor, sem limites. São os termos que descrevem Banda larga cordel, o último trabalho do músico brasileiro Gilberto Gil. Em síntese, Gil celebra, encerra, congrega, desconstrói, aproxima mundos, pessoas, ritmos, culturas, sexos. Mas alguém dirá certamente que essa é a marca do baiano mais famoso do mundo. Sim, é. Mas desta vez, Gilberto Gil relativiza ao extremo, esbarra fronteiras, aproxima tudo: está à frente do seu tempo quando canta os novos dilemas da civilização. Os pais estão preocupados demais/com medo que os seus filhos caiam nas mãos dos narcomarginais/ou então nas mãos dos molestadores sexuais/e no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades actuais ...
As fragmentações, e reformulações de Gil se dão ao nível das letras, e através de uma profunda provocação rítmica que desafia toda e qualquer linearidade. Sente-se isso num arranque manhoso que oscila entre o forró e o reggae, para se entrar num frevo, num baião; de um samba canção, passando por um clássico, para um Sambalanço, de uma bossa para uma balada sambada: não tenho medo da morte, mas sim de morrer/ a morte é depois de mim/ mas quem vai morrer sou eu…
Linha contínua, Gil canta La renaissance africaine en francês num som electrónico: um ritmo open que se pode ouvir sem grandes analogias em qualquer banda do mundo. en europe, en amerique/ c'est toujour l'esprit d'afrique/la nouveauté qui prospère. Evoca sa mitologie, sa vie... Depois presta a grande homenagem à banda larga, "que tem o mundo todo na ampla discussão". Na faixa que dá nome ao disco faz profecias sobre a nova “infovia” que também se transformou em máquina de ritmos, questiona a autoralidade artística com a debandada da internet, e brinca com a própria voz que é sintetizada no final da canção: no futuro você vai poder tocar o meu samba sem querer/programação de sons seqüenciais/milhões de escolas de samba virtuais e virtuosos de versões sem fim.
Quem aprecia e crê na música de Gilberto Gil, para além do ritmo e do dito, deve ouvir Banda Larga cordel e sentir o cheiro tonal e pessoal do futuro da música, da arte, da África, do Brasil. Sua evocação à música, aos seus mestres (Baden Powell, Vinícius de Moraes…) e à miscigenação do universo que, para o seu legítimo íntimo, se centra no Brasil, onde nasce o ser do amor... Um disco imperdível!
13 de outubro de 2008
Dos consensos ao dissenso
1.
Um debate inédito entre Carlos Veiga, antigo primeiro-ministro, e actual chefe do governo, José Maria Neves, marcou em força a retomada do Jornal A Semana, e este semanário está de parabéns por esse feito. Questões estruturantes estiveram em cima da mesa, e curiosamente muitas foram alvo de consenso, contradizendo, em muitos casos, posições defendidas pelo actual líder do maior partido da oposição, o que não deixa de ser estranho.
Relativamente à diplomacia, uma questão continua a dividir as opiniões do MPD e do PAICV, e a condicionar os actos destes partidos, tanto na oposição como na situação: a relação de Cabo Verde com a África, mais concretamente com a sub-região.
É quase chavão dizer que Cabo Verde se fez por causa da sua posição geo-estratégica. Mas torna-se urgente fazer crer a muita boa gente que o interesse em relação a Cabo Verde da Europa, dos Estados Unidos, da China e do Brasil, advém única e exclusivamente da sua posição privilegiada na encruzilhada do mundo e às portas do continente africano.
Carlos Veiga considera de "criticável" a presença de Cabo Verde na CEDEAO, e o balanço que faz dos trabalhos dessa comunidade "é decepcionante". Os seus argumentos são plausíveis e reais. Mas vejamos: Porque e como desistir de uma região que nos pertence geográfica, histórica e culturalmente? Mais, quais seriam os argumentos nossos para tal desfeita, junto da União Europeia, e dos outros gigantes que se aproximam de nós por causa da nossa posição vis-a-vis ao continente africano? Somos incapazes de nos relacionar com a África? As integrações, em se tratando de países soberanos, não são totais, como sabemos, nem todas as opções políticas da CEDEAO vão condicionar a governação interna, e muito menos a relação externa de Cabo Verde. O primeiro-ministro é peremptório: “Cabo Verde só é útil nesta região e no quadro da CEDEAO".
2.
By the way chegou a Cabo Verde outra piroga com mais de uma centena de africanos de diferentes nacionalidades nessa aventura pós-moderna de cruzar os mares rumo à Europa. Uma tragédia humana a que já nos habituamos, e com a qual sequer perdemos o nosso tempo.
10 de outubro de 2008
Setembro
Inútil face ao verde
eis-me aqui perscrutando
a acácia
o djiguilangui
o nhara-sakedu
(o corropio da memória
pela escura pele de Nhara
alevantando-se com as ravinas dos engenhos
calcorreando a turva e indómita cal
da adversidade colada às rusgas da morte
e às veredas do vertical parentesco
aos pés descalços do martírio)
Atónito face ao verde
eis-me aqui observando
o spinhu-katxupa
o spinhu-pretu
o spinhu-branku
(ah! os vários espinhos
cobrindo a cabeça de adão
crucificado em plena ilha
como as crísticas argilosas criaturas do tempo
condenadas à fugaz transitoriedade da bonança
à ardilosa efemeridade da esperança)
(...)
José Luís Hopffer C. Almada
9 de outubro de 2008
Intermezzo
No dia em que se conhece mais um Nobel Prize da Literatura, recordo-me do primeiro nobel de literatura africano, Wole Soyinka, e da sua sábia máxima: “O tigre não se gaba da sua tegritude, assalta e devora a sua presa.” Lembro-me também de uma frase de autor desconhecido que diz: "Quem pensa segundo a opinião dos outros, está muito longe de ser um homem livre."
E finalmente penso que manter um blog é simplesmente ser parte desse freevibe.com, sem amarras, meu caríssimo, diria o poeta…
1. Os anónimos existem e são frutos dos seus progenitores
2. Os leitores comentam quando se revêem no post
3. O blogger é livre, ou pelo menos deve sê-lo, porque blogspot e os seus confrades ainda não decidiram cobrar taxa e nem indigitaram nesse sentido.
4. Portanto, não percamos tempo a olhar para o lado, e nem sejamos deuses da própria crença… make it happening!
7 de outubro de 2008
Angela Adonica
Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.
Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.
Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.
Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.
Pablo Neruda
6 de outubro de 2008
FESMAN pode vir para Cabo Verde
Uma comissão senegalesa fez, hoje, um convite formal ao Ministro da Cultura, Manuel Veiga, apelando à participação de Cabo Verde no Festival Mundial de Artes Negras 2009: a ideia é descentralizar o certame, e ter um ou mais palcos também em Cabo-Verde, além do Senegal, a sede do evento. Desde Janeiro que a comissão organizadora tem mobilizado vontades para a IIIª Edição do FESMAN que acontece em Dezembro do próximo ano sob o lema Renascença dos países Africanos.
O Brasil é o grande parceiro desta festa: está a participar na definição do projecto e prometeu mobilizar a participação de países latino-americanos. Para já, uma das suas propostas é “repassar a experiência brasileira para organizar o Carnaval de encerramento da III FESMAN”.
O programa está em definição, mas espera-se no FESMAN, além de artistas africanos, nomes da diáspora negra como o trompetista americano Wynton Marsalis (foto), Stevie Wonder, Gilberto Gil e tantos outros.
O Ministro da Cultura de Cabo Verde não respondeu ainda à comissão organizadora. Vamos aguardar, então, pela resposta que poderá definir o futuro dos palcos crioulos...
4 de outubro de 2008
Jorge cada vez mais responsável
Javier Marías, o escritor espanhol, proferiu ontem uma conferência na Fundación Juan March a que deu o título de “La paulatina pérdida de la irresponsabilidad”, o qual supostamente resume a sua obra literária. A perda paulatina da irresponsabilidade, portanto. Às vezes creio que sofro do mesmo mal, dessa mesma doença lenta e progressiva que nos vai tornando velhos, crescidos, adultos, responsáveis e, se calhar, chatos. Sei que acabou ontem de ser impresso um novo livro a que apus o meu nome e que esse livro é, outra vez, uma demonstração de irresponsabilidade, de inconsciência e de uma estranha vaidade. Hei-de arrepender-me de tê-lo escrito e de tê-lo feito publicar, eu sei. Serei, nesse dia, uma pessoa responsável. M.J.M.
O próximo livro do jornalista vai se chamar "Sereias do Mindelo" e conta a história de um português que se apaixonava por cabo-verdianas.
Alcatrazes: na fímbria do tempo
Para quebrar o "equilíbrio" ecológico e ontológico descrito pelo poeta Jorge Barbosa de "nem homens nus, nem mulheres nuas", chegaram os navegadores ao serviço do Infante D. Henrique, António de Noli (genovês ao serviço da Coroa Portuguesa) e Diogo Gomes, navegador português, no iniciático ano de 1460 às Ilhas de Cabo Verde.
Os dois descobridores, como prémio da Coroa Portuguesa, tiveram então direito a povoar a Ilha de Santiago, dividida em duas capitanias: a da Ribeira Grande, hoje Cidade Velha, para António de Noli, e Alcatrazes, hoje Nossa Senhora da Luz (Concelho de S.Domingos), a Diogo Afonso. As duas capitanias da Ilha de Santiago, transformaram-se também em dois municípios: um com sede na Ribeira Grande e o outro em Alcatrazes . A estrutura de poder terá permanecido por muito tempo incipiente, dominada por uma reduzida mas forte oligarquia local.
Não nos é possível rastrear a rápida ascensão e queda de Alcatrazes uma vez que nos faltam engenho (mas não arte e vontade) para compreender toda a dimensão desse fenómeno histórico. Lá estão algumas pedras tumulares e elementos sacros, bem como a marca indelével dos homens de então, mesmo em ruínas por consolidar. Mas onde encontrar a vontade e a coerência antropológica de emprestar matéria e dimensão a esses momentos?
À vista, se nos apresenta uma igreja em ruínas, senão mesmo réstias de um templo católico (Capela de Santana, dizem os da terra), e um povo que, apesar de viver na pobreza e em extrema vulnerabilidade social, mantém viva, nos seus ínfimos actos culturais, a memória de uma História, que é nossa. Por conseguinte, em vez de lamentarmos o esquecimento a que espaço está votado, fazemos aqui um "plaidoyer" por Alcatrazes.
Irmã gémea da Cidade Velha (pois Santiago do começo eram as capitanias a norte e a sul), a ideia é complementar esta verdade, quanto mais não seja para potenciar as razões da Cidade Velha virar Património Mundial da UNESCO. Pode ser que ele ainda nos reconte um passado que nos abra caminho para um enorme futuro...
1. Capela em ruínas (foi construida outra capela ao lado onde celebram a missa)
2. Cruz em ruína no interior da capela antiga
3. Procissão de Nossa Sra da Luz no dia 8 de Setembro
30 de setembro de 2008
A balzaquiana de Setembro
Sinto saudades de mim, de ti, deles, das ladeiras, das mangueiras, dos meus avós, do Solar do Unhão, da Amaralina, e até do futuro. Mas as balzaquianas são a minha vida, e fazem parte dela. Ontem fartei-me de rir: a Martine recorda-me de cada rosto, de todos os sotaques, até dos detalhes de uma vida cheia de peças e cores, com deslizes, mas sem queda. La strada é longa... mas voltar ao Black cat, não! Peter ou alguém no seu lugar há-de abrir um novo pub pela redondeza.
Pudesse Eu*
Pudesse eu não ter laços
nem limites
Ó vida de mil faces
transbordantes
Para poder responder
aos teus convites
Suspensos na surpresa
dos instantes!
* Sophia de Mello Breyner Andresen
29 de setembro de 2008
A (à) imagem de Cabo Verde
Em tempos falamos aqui da diluição do mercado, retratando pontualmente a ineficácia de uma publicidade da manteiga planta emitida na TCV (da responsabilidade da empresa revendedora) em que a família pivô era portuguesa. No mesmo bojo se inclui a promoção do Azeite Galo e do Caldo Knorr, produtos oriundos de Portugal, vendidos no mercado nacional, e publicitados diariamente por intermédio de spots feitos para serem emitidos no mercado de origem. Um autêntico nonsense se atentarmos às regras e ao jogo sensorial que fazem parte do acto de promoção de um produto. Nesse post dizíamos que esse tipo de publicidade no qual os consumidores não se revêem, é absolutamente ineficaz. O que se nota é que todos esses produtos são importados, e simplesmente vendidos em Cabo-Verde. É bom saber que no dia em que uma dessas marcas forem adaptadas à imagem dos cabo-verdianos, ou seja, que os códigos para a sua promoção forem nacionais, a venda superaria, certamente, a expectativa dos seus comerciantes revendedores. Arriscamos pensar que essa atitude enganadora e desinteressante advém de alguma incerteza por parte do importador com relação ao mercado nacional. E claro, uma vez mais, voltamos à tal questão simbólica (própria das mentes) sobre a qual nem vale a pena debruçar. Cai bem uma certa alienação…
No meio dessa ausência de atitude, é interessante, e de notar, a ambição plausível da marca iogurte Iogurel em mostrar-se um produto nacional para todos os cabo-verdianos. Isto é, antes de tudo, um sinal de respeito para com os consumidores.
Atitude idêntica resolveu um dia tomar a empresa de telecomunicações CV Telecom quando contratou uma empresa portuguesa para trabalhar a sua marca. A sua concorrente T + foi igualmente muito bem sucedida. Águas de Cabo Verde, BCA, e agora BCN têm, de acordo com as suas posses e ambições, apostado na sua imagem. Só é bem sucedido se for, á partida, à nossa imagem…
foto: EME
26 de setembro de 2008
Acontece, dicas ...
No dia 2 de Outubro, na Fnac Colombo, a jornalista da TVI, Conceição Queiróz, lança o seu segundo livro intitulado Os meninos da Jamba, uma grande reportagem que Queirós fez, há dois anos, nas terras de Angola. Jorge Sampaio, o prefaciador do livro, escreveu que “As histórias reais que a Conceição Queiróz nos relata prendem a atenção do leitor da primeira à última página”.
O primeiro livro da jornalista intitula-se Serviço de Urgência, e a reportagem que esteve na base desse título mereceu uma distinção do Prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença.
Numa entrevista concedida a propósito d´ Os meninos de Jamba, a autora disse o seguinte: "foi a reportagem que mais me marcou. Despi a capa de jornalista e envolvi-me imenso. Aquelas crianças eram carentes de tudo.”
Conceição Queiroz é moçambicana, trabalhou na Televisão de Cabo Verde, inicialmente na Delegação do Sal, e posteriormente como Chefe de Informação, e apresentadora do programa Jornal Desportivo. Actualmente pertence à equipa de Grande Reportagem da TVI. Uma dama do jornalismo!
Dicas...
Temos lido e ouvido, nos últimos dias, de tudo sobre a insegurança, a delinquência juvenil, e a desigualdade, em crescente, no país. Fenómenos que têm, cada um à sua velocidade, alterado a normalidade social, principalmente na cidade da Praia, e suscitado “vários tiros”, alguns no pé, outros, pelo contrário: " Uma solução deveria passar pelo «apoio à família e não pelo apoio ao betão». Como não dispõe actualmente de muito terreno para construção, a câmara deveria aproveitar o mercado imobiliário de forma a que as famílias dos bairros clandestinos possam ser alojadas de forma dispersa. O Estado e a câmara deveriam apoiar no arrendamento, cobrindo o valor que o agregado familiar não conseguisse suportar ou um programa em que as famílias iam ao mercado escolher uma habitação com um determinado plafond definido pelo Estado."
ler + aqui.
O primeiro livro da jornalista intitula-se Serviço de Urgência, e a reportagem que esteve na base desse título mereceu uma distinção do Prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença.
Numa entrevista concedida a propósito d´ Os meninos de Jamba, a autora disse o seguinte: "foi a reportagem que mais me marcou. Despi a capa de jornalista e envolvi-me imenso. Aquelas crianças eram carentes de tudo.”
Conceição Queiroz é moçambicana, trabalhou na Televisão de Cabo Verde, inicialmente na Delegação do Sal, e posteriormente como Chefe de Informação, e apresentadora do programa Jornal Desportivo. Actualmente pertence à equipa de Grande Reportagem da TVI. Uma dama do jornalismo!
Dicas...
Temos lido e ouvido, nos últimos dias, de tudo sobre a insegurança, a delinquência juvenil, e a desigualdade, em crescente, no país. Fenómenos que têm, cada um à sua velocidade, alterado a normalidade social, principalmente na cidade da Praia, e suscitado “vários tiros”, alguns no pé, outros, pelo contrário: " Uma solução deveria passar pelo «apoio à família e não pelo apoio ao betão». Como não dispõe actualmente de muito terreno para construção, a câmara deveria aproveitar o mercado imobiliário de forma a que as famílias dos bairros clandestinos possam ser alojadas de forma dispersa. O Estado e a câmara deveriam apoiar no arrendamento, cobrindo o valor que o agregado familiar não conseguisse suportar ou um programa em que as famílias iam ao mercado escolher uma habitação com um determinado plafond definido pelo Estado."
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