29 de dezembro de 2007

Dezembro

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Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é vôo de um pássaro
é uma canção.

poem: Carlos Drummond
Ilust: Pedro Pamplona

12 de dezembro de 2007

Sem tempo

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Tua música.
À volta, nada é,
os meus sentidos, todos,
pelo teu balanço agitam.

é da voz, dos sons, das flores, do cheiro,
da lembrança, da viagem, sem tempo.

Teu mar

A água
O brilho
O céu
E o azul do mar

11 de dezembro de 2007

A brava ilha perde nhô Mundinho





















"As bandeiras em Cabo-Verde são festas seculares, e sobrevivem ao longo dos tempos por obra de gentes como nhô Mundinho. Clarimudo Ascenção nasceu na Ilha Brava, há 92 anos".

Assim começava uma reportagem televisiva assinada por mim no dia 24 de Junho de 2006, na Ilha Brava. Falava das figuras homenageadas pela edilidade, no âmbito das festividades de S. João, em que nhô Mundinho, ontem falecido, fazia parte.

Clarimundo Ascensão foi pedreiro, padeiro e pintor. À par disso, construiu tambores desde os 15 anos e pela vida dentro, e foi, sem dúvida, um dos personagens mais emblemáticos da bandeira de S.João, já que também os tocava.
Era o mais velho entre as duas últimas pessoas que ainda faziam tambores na ilha. Tambores que também entoavam as bandeiras da Brava e das outras ilhas. No ano da nossa conversa/entrevista, nhô Mundinho, ainda trabalhava por encomenda.

Este ano já fiz sete. Mandei vender no Maio. Uma pessoa da Furna comprou-me uma. Faço tambores para crianças. Ainda tenho em casa. Já ofereci alguns. Já vendi outros. Todos os anos, se puder, faço”, contou-nos.

Os bravenses não terão mais o toque manso característico do nhô Mundinho nas bandeiras de S.João. A Brava, a bandeira e a cultura de Cabo Verde perdem mais um nome.

foto: Pedro Moita

8 de dezembro de 2007

Teledramaturgia...

Nelson XavierAcompanho com interesse as telenovelas brasileiras, por razões várias. Primeiro, porque são, de um certo prisma, as melhores do mundo. Também porque é uma das formas de acompanhar o pulsar da complexa realidade social do Brasil. As telenovelas, sobretudo, as da Globo permitem isso, ainda que delas tenha uma perspectiva crítica. A depender do realizador, do elenco e da tipologia (urbana, regional, época), vai variando o nível de interesse. Sem contar a minha paixão para ler o enredo e a trama. Acompanho, sim, as telenovelas com preocupações muito particulares e próprias, mas de forma despretensiosa.

Da actuação, não apenas nas telenovelas, tenho a mania de me atentar nos actores secundários e acredito que, quase sempre, são eles as chaves para os grandes enigmas. Depende muito do faro do director e do carisma do actor, claro está. É nessa óptica que queria destacar o brilhantismo na actuação da personagem Bento (foto) na telenovela Belíssima, interpretado por Nelson Xavier. Só agora, passados cinco meses do início da emissão desta telenovela pela Televisão de Cabo Verde, é que Bento começa a se revelar, remexendo em pistas chaves que permeiam toda a história. As suas esporádicas aparições anteriores foram igualmente marcantes. Confesso que no início estranhei que um actor como Nelson Xavier estivesse a desempenhar um papel tão aparentemente secundário. Depois, comecei a ver que estava enganada. O mesmo direi do seu companheiro de quarto: um miserável de olhos tristes que engendra sofisticados golpes e crimes horrendos. Independentemente da pertinência da história, que deve intrigar à priori, é fascinante a capacidade funcional das redes conflituais, principalmente se for uma obra, à partida, fechada. Não sei se foi o caso da telenovela em questão.

O problema é que o potencial de uma telenovela pode se diluir no seu próprio formato: histórias prolongadas que se fragilizam com o tempo, por exemplo. É um desafio.

Voltando à telenovela, é também pela acertada colocação dos actores secundários que uma boa trama se desenrola. Secundário nada tem a ver com o eventual papel marginal que se depreende de um enredo ou de uma narrativa...

Natal

Pelos braços de um anjo, entrei na dança
Desde o toque inicial, o balanço (bom)
A música, tua e minha
E todo o Natal...

3 de dezembro de 2007

A clareza dos dias

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De regresso à Terra da Claridade. Para trás, fica a Terra da Luz. A semana que passou ficou marcada por um exercício interessante nas relações entre Cabo Verde e Brasil, mais propriamente Cabo Verde e Ceará.
A Secretaria da Cultura do Ceará organizou, em parceria com a Embaixada de Cabo Verde no Brasil, um certame literário - Claridade na Terra da Luz - tendo como matriz uma feira de livros cabo-verdianos e uma série de palestras, bem como propostas videográficas, tudo girando em torno do Movimento da Claridade.
O Movimento Claridoso advém provavelmente da Revista Claridade, publicada em 1936, em torno de uma trindade intelectual - Baltazar Lopes da Silva, Manuel Lopes e Jorge Barbosa. Essa "verdade" é sabida por todos, mas na Terra da Luz todos estavam ansiosos por saber o que afinal liga essa gente ao Brasil.
Dentre as várias correntes de influência, convém aqui recordar que a literatura dos nordestinos do Brasil foi uma ideia-tipo, de ordem histórico-sociológica, para os intelectuais de Cabo Verde .
Alguns quiseram saber como essa influência/identificação é vivida cá - nas escolas, mais propriamente. Outros divagaram sobre a Semana de Arte Moderna de São Paulo e sobre o Romance Nordestino dos Anos Trinta.
Os debates aconteceram com menor ou maior intensidade. Os vídeos apresentados caíram no agrado de todos, que passaram (ainda que num cenário puramente temático) a visualizar um certo Cabo Verde.
Em alta mesmo ficaram os ânimos dos presentes perante o aforismo "Nem África, nem Europa, mas Cabo Verde". Sim, porque nele fica uma "fina recusa" do continente negro. E não faltou quiproquó na questão do crioulo. Dava para ler a estupefacção dos cearenses, perante o embaraço de alguns dos nossos intelectuais em relação à oficialização do crioulo – a nossa língua materna.

Em mim

De novo, a canção. A mesma que sempre amei…

27 de novembro de 2007

Silêncio...

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Tu és rara, todas as vezes,
e o meu silêncio
é um olhar que passa,
porque finjo vazio
em todos os sentidos
e absurda é a noite.
As horas,
um amontoado de saudades,
minha idéia a encontrar-te
é como uma voz interior a ter-te.

Mas és irreal,
e o meu sonho, um sonho,
fundido com a minha angústia,
como uma tarde sem horizontes.
Minha ânsia,
um momento a querer-te entre os meus gestos,
no alheamento único dos meus poemas simples.


Em mim

As palavras do poeta, deste lado do outro. E a ausência do outro lado daqui.

Silêncio: Dimas Macedo - poeta cearence
Em mim: pura eu

20 de novembro de 2007

Nada é igual

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As minhas músicas não serão tão fundas quanto as tuas. Fiz o que pude, mas, estou certa, não consegui retribuir. Percorri tempos, lugares, indaguei, mas em parte alguma encontrei algo parecido.

19 de novembro de 2007

A morte como ela é

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Sete Palmos de Terra , emitida todos os domingos, pela TCV: é uma série (a primeira) arrepiante, mas essencial. A cada episódio, a trágica morte de um ser humano (homens, mulheres, jovens, até crianças), sempre igual e tão diferente entre si. Os familiares enlutados que procuram a casa mortuária.
Sempre o mesmo cenário psicológico: uma mãe/viúva irreversivelmente triste, dois filhos (agentes funerários) com seus dramas paralelos, uma filha adolescente, incompreendida e esquisita. A namorada do filho mais velho, que numa apenas aparente secundarização cénica, joga um papel de equilíbrio temático em cada história/episódio.

A vida é uma viagem para a morte, ou, pelo menos, deveria assim ser entendida. É esta a derradeira mensagem da série Sete Palmos de Terra. Esta é, pelo menos, a grande noção que apreendo, sempre em perspectiva, claro está, a cada episódio. O extremismo, a racionalidade, a loucura, o sexo, a desesperança e a sua antítese, são os ingredientes do viver que nos aproximam com mais propriedade à morte. Não há por onde fugir: os dias estão contados para os filhos, os pais, os maridos, as esposas e os amigos, uns de forma mais trágica, outros nem por isso.
A morte em suas múltiplas dimensões: há quem viva a morte, sem sequer aceitá-la; quem a procure em vida; o alucinado que prefere viver para quem já morreu (a retracção psicológica da viúva causada pelas lembranças do marido falecido).

A forma tranquila de encarar a morte também tipifica um certo viver. Quem não receia a morte, vive um tempo diferente, em eterno desencontro face ao mortal que prefere não pressentir o fim. (a incessante tensão entre a Brenda e o namorado – filho mais velho e agente funerário)
Sete Palmos de Terra, em si, é uma obra apocalíptica. Há cenas/temas que predominam, e perpassam todos os episódios. Cenas onde estão de facto os extremos, que uns reprovam e outros adoptam, enquanto estiverem uns tantos palmos acima da terra. (a relação do filho mais novo - foto – também agente funerário -, com os seus namorados gays).

A música: sempre fúnebre, freiante. O cenário: cinzento, limpo... Os personagens: pálidos, e espectacularmente esquisitos. Algum excessivo cliché, diante de algo tão incomensuravelmente natural.

Sete Palmos de Terra, uma verdadeira lição de vida. Do argumentista e director Alan Ball.

17 de novembro de 2007

Canção...

lembrança













1. Canção da noite
sempre a mesma.
Outras hão de vir
aqui juntar-se
até do dia se tornarem.

2. Recordo na retina,
as palavras não ditas.

3. A Lembrança
que persegue e mata.

imagem daqui

16 de novembro de 2007

Versos de Entreter-se

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À vida falta uma parte
– seria o lado de fora –

Pra que se visse passar
ao mesmo tempo que passa

e no final fosse apenas
um tempo de que se acorda

não um sono sem resposta.
À vida falta uma porta.

Gullar

14 de novembro de 2007

Badyo do mundo

Costumo lembrar a todos que escrevo sobre os encantos que as coisas me fazem. É aqui, e só aqui onde posso me dar ao luxo de assim agir. E é com esta subida emoção que falo do CD Badyo do músico, Mário Lúcio. Sem me ater a uma música em particular, e muito menos, ao separatismo arranjista do CD, discorro sobre o universo recriado pelos sons do Mário Lúcio.

Partimos de Santiago, com o badio escravizado que resiste e se afirma no mundo das Antilhas, do Brasil, em suma das Américas de todos nós. A trajectória desse badiu di Santiago atravessa mares e culturas, faz-se de outras costelas, e se mostra como um homem novo.

Mário Lúcio diz-nos e mostra-nos tudo isso numa fileira de 16 composições, que contou com participações de músicos diversos (entenda-se também etnias sonoras múltiplas): o balafon de Ali Keita (Mali), o Bandonéon de Mariza Mercadet(Argentina), o baixo e contrabaixo de Thierry Fanfat(Guadalupe)… Do lado de cá estão os dedos de Chico Serra, Duka, Lela Violão, Houss…

Badyo é também uma redenção ao tempo: os mandingas, os papeis, os mandjacos, os povos e as gentes que vieram e aqui se fizeram badius. Quem se rende ao tempo, não esquece de lugares. E é assim que sentimos Goré como o porto da nossa pertença. Ontem, hoje e sempre. Assim quer a música do Mário Lúcio. O porto dos pretos, dos brancos e da mistura dos dois. Matrizes e matizes…

Pressente-se neste terceiro trabalho a solo de Mário Lúcio, o fim de um ciclo, com todo o subjectivismo que isto conota. Uma resposta qualquer de quem nos quer dizer que existem tempos, lugares, ritmos, vozes e sentimentos que fazem de todos nós Badyos do mundo.

7 de novembro de 2007

Retalhos do tempo

los cubos dela memória


















1. Creio ter já escrito neste blog o meu fascínio pelas tardes. Não propriamente todas, mas principalmente aquelas que me fazem recordar aquele momento único, o entardecer em S. Filipe. A tarde que me pressentia entre a serenidade e a traquinice, entre a tristeza e a alegria. Curiosamente, nunca mais a senti igual. Mas prossigo na busca dessa leveza de outrora. Com esperança…

2. Sou uma mulher de poucos amores (devo ter dito uma blasfémia, mas é a pura verdade). Uma das pessoas que amo de coração completou esta semana 104 anos. Ela é minha madrinha, provavelmente a mulher mais velha de S. Filipe. Um monumento da Cidade. Felismina Mendes é o nome dessa madre, mais conhecida por Nha Filó, a dona de todas as estórias. É ainda lúcida. Mas lembra de cor algumas estórias, que de tanto repeti-las, podem nos induzir ao erro. É do encanto, apenas. A proeza de ter cruzado décadas feitas de tudo.
Ela cultiva uma relação especial com a televisão. As telenovelas, os filmes, o noticiário encantam-na. Nutre uma saudade eterna, pelas estórias que conta, do Dr. Teixeira de Sousa, um amigo e grande médico que também escreveu romances, que ela nunca leu.
Nha Filó é um arquivo vivo, basta consultar. Uma senhora alegre, que nunca teve filhos, mas cresceu com crianças à volta. Hoje, continua assim. Entram pela meia-porta, pedem água, assistem à TV, e depois se despendem. Tê manha nha Filó.
Foi conhecer a América só na década de 80, porque não quis ir antes. Muitos antes, na década de 50, quando o seu pai comprou Ernestina, o barco que cruzava o atlântico com cabo-verdianos rumo à América. O pai, Henrique Mendes e o irmão, Arnaldo Mendes, eram partes da tripulação, e desse manancial de vida, Nha Filó guarda pérolas memoráveis.
Felismina Mendes sempre permaneceu em S.Filipe à espera das estórias que chegavam para depois partirem. E continua lá, à espera do tempo…

6 de novembro de 2007

Eternidade...

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Deveríamos sempre oferecer música aos amigos. Seria uma forma de continuarmos a sê-lo. Um meio de marcar o tempo, as circunstâncias, as horas, e os ventos. E não só de momentos ternos se se cogita; alguns, com o lapidar da vida, são tristes, duros... mas eternos...

Ao amigo (que me lê)

Na nossa amizade o silêncio é um vazio preenchido. Serena, tal como o abraço testemunho dos dias. A noite é mais veloz nos trópicos, já dizia o poeta. Para não mais falarmos do tempo.

Palavras

Tenho algumas, e são minhas, principalmente aquelas que me destes; nos livros, nos discos... em mim. Outras, perderam-se no tempo que não mais temos.

2 de novembro de 2007

Em busca de um outro cinema

No momento em que se debate o futuro do cinema, dominado hoje pela forma, creio ser pertinente dar a conhecer uma experiência do cinema preocupada com questões espirituais desafiadoras do homem contemporâneo. Refiro-me ao Festival Internacional de Cinema de Alba, nascido em 2002 com o nome Infinity Festival. O certame deste ano contou com a especial presença do Realizador americano Sydney Pollack. The Swimmer (com Burt Lancaster) 1968, The Firm (com Tom Cruise) 1993, Sabrina (com Harrison Ford) 1995, e The Interpreter (com Nicole Kidman) são alguns dos filmes de Pollack que cruzaram e marcaram épocas, dentre dezenas, presentes no evento deste ano. Este festival é temático e, em 2007, os debates giraram à volta do "medo". O medo que sentimos nas nossas vidas, no contacto com o outro, em relação à economia, ao ambiente, à crise energética, etc.
O Festival Internacional de Cinema Alba dialoga, através de valores, com a pintura, a fotografia, a literatura, a música e a filosofia. As projecções acontecem associadas a um permanente diálogo, e troca de experiência com especialistas, não excluindo a participação de estudantes, jornalistas, jovens realizadores e amantes do cinema.
O objectivo principal desse Festival é dar espaço a produções independentes e a filmes que não são distribuídos em circuitos comerciais. Produções de todos os continentes já passaram pelo certame. Esse evento anual acontece na Província de Cuneo, Cidade de Alba, Itália, e conta com o patrocínio da prestigiada Fundação Ferrero e dos Organismos de Cinema de Piemonte.
O Festival Internacional de Cinema de Alba foi fundado por Padre Octávio Fasano, responsável pela missão dos Capuchinhos em Cabo Verde. " É noite na Ilha do Fogo, Cabo Verde. Penso incessantemente no Festival Internacional de Cinema de Alba, e na busca do significado da vida que propugna”, escreveu Fasano sobre esse certame cultural.

31 de outubro de 2007

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira.

Uma parte de mim almoça e janta:
outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente:
outra parte se sabe de repente.

Uma parte de mim é só vertigem:
outra parte, linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte
- que é uma questão de vida ou morte –
Será arte?

Gullar em mim

Sei que me repito. A matéria da matéria é inalienável, e pouco ou nada muda, dependendo do ínfimo dos ventos. Na permanência da dor, procuro os meus, entre a vida e a morte, onde tu estás...

Traduzir-se (poema de Ferreira Gullar-foto-)
Gullar em mim (a minha declaração de amor)

27 de outubro de 2007

Cinema, Geo traffic...

ExampleDepois da morte do sueco Ingman Bergman(foto), e do italiano Michelangelo Antonioni, associada a outras perdas na sétima arte, instalou-se o debate sobre o futuro do cinema. A arena tem estado aberta a prognósticos: o futuro, os essenciais, quem serão os futuros Buñuel, Bergman, Hitchcock e Godard do cinema? A última edição da revista brasileira Bravo! Aposta em 10 nomes, tendo David Lynch à cabeça. Quentin Tarantino e Pedro Almodôvar fazem parte dessa lista, sendo a argentina Lucrécia Martel (com apenas duas longas) a única mulher do grupo. Um dos fóruns a estender esse debate é a 31ª Mostra Internacional de Cinema em S. Paulo – 19 a 1º de Novembro com 300 filmes em cartaz.

Entre nós

O primeiro e único filme de ficção rodado em Cabo-Verde com a total presença de actores cabo-verdianos e realizado por uma cabo-verdiana tem suscitado debates, e dividido opiniões. As opiniões têm movido por terrenos estéticos, em torno da pertinência do argumento, e um pouco da qualidade narrativa. A actuação dos actores (todos amadores) tem sido parcialmente poupada. Como ainda não tive a oportunidade de ver mais esse trabalho da Realizadora Ana Lisboa, demito-me dos conteúdos, e remeto os meus amigos leitores aos debates que acontecem aqui, aqui e aqui. Abraçando a atitude, nunca deixaria de frisar a ousadia de Ana Lisboa, por ter tido a coragem de levantar a bandeira da ficção nestas ilhas. Um terreno onde a perspicácia de um realizador é apenas um grão de milho, uma semente, se quisermos. Antes de tudo, parabéns Ana!

Geo traffic

Nos últimos dias tenho acompanhado através deste mapa a origem e a frequência das visitas a este blog. É interessante fazer notar que o Brasil está no topo da lista, a rondar, em média, os 40 % das visitas. A seguir vem Portugal, e depois Cabo Verde com uma média de 25% e 19 %, respectivamente. Visitas da Grécia, do Vaticano e da Ucrânia também são de notar, sem descurar os países mais próximos, da Europa e da África. Importa evidenciar que esta ferramenta da Freedjit mostra os caminhos, tanto de chegada como de partida, percorridos pelos internautas. Esse motor tipifica ainda as visitas expressas ao blog e “os encontros”, por acaso, através dos sites de busca. São elementos importantes a reter, caso alguém se interesse em aprofundar estudos sobre os conteúdos dos blog´s entre nós.

26 de outubro de 2007

Tcheka lança Lonji
















Depois de Argui, e Nu Monda, Tcheka lança Lonji, o terceiro disco de uma carreira de cinco anos. Um trabalho marcadamente acústico, de voz, percussão e guitarra que nos transporta a paisagens reais. Realidades matizadas, recortadas por Tcheka, através de um lirismo poético original. São 14 temas, todos compostos por Tcheka que deixam a nu vivências. Como a faixa Primeru Bes Kin ba Cinema, por exemplo. Lirismo que nos remete à infância deste músico, nascido na Ribeira da Barca.
Lonji foi produzido inteiramente pelo nomeado nome do rock acústico brasileiro, Lenine. De recordar que em Novembro de 2005 noticiamos aqui o encontro desse músico com o Tcheka.
A aposta de Lenine neste artista, que além de produzir Lonji, meteu voz na música Telemóvel, atesta o prestígio de Tcheka fora de Cabo Verde.
Lonji foi gravado em estúdios brasileiros de prestígio como Nas Nuvens e Toca do Bandido, e contou com a participação de nomes sonantes da música desse pais.

25 de outubro de 2007

Assine esta petição

Um artista da Costa Rica, Guillermo Habacuc Vargas, expôs um cão vadio faminto numa galeria de arte. Ninguém o alimentou ou lhe deu água e morreu durante a exposição. Guillermo Habacuc Vargas foi o artista escolhido para representar o seu país na "Bienal Centroamericana Honduras 2008". Existe uma petição onde é pedido que ele não receba este prémio. Por favor acesse esta página e assine a petição preenchendo o seu nome, e-mail, localidade e país. Acesse também um dos links onde esta história pode ser lida.

Um e-mail assinado por Filipe Moreira da Culturgest.pt

24 de outubro de 2007

Slow Food em Santo Antão
















Há uns tempos, albatrozberdiano fez um post sobre a associação internacional Slow Food, fundada em 1986. No ano passado fiz uma nota sobre o mesmo assunto. O movimento cujas raízes estão em Roma, congrega cerca de 100.000 pessoas no seu seio, e está presente em 104 países e nos cinco continentes. Promove a educação do gosto, luta pela preservação da biodiversidade agrícola, organiza manifestações, publica livros, revistas, e como o próprio nome indicia combate o Fast Food.
Em África, a Slow Food está presente em seis países, e acaba de chegar a Cabo Verde. Um dos seus objectivos é apoiar pequenos agricultores na preservação da produção artesanal de qualidade, garantindo, ao mesmo tempo, o futuro da comunidade local.
O queijo de cabra produzido no planalto da Bolona, em Santo Antão, vai ser o primeiro convivium (expressão da filosofia da associação) da Slow Food em Cabo Verde. Bolona é uma área montanhosa e árida; os queijos são produzidos com técnicas artesanais (com o mínimo de água possível), em condições ambientais muito adversas, e são pouco conhecidos.
A intervenção da Associação Slow Food consistirá no aperfeiçoamento da técnica de feitura do queijo, mantendo o sabor, e vai contribuir para o conhecimento deste produto no mundo. Ao criar um circuito comercial para o queijo de Bolona, a associação estará a garantir a permanência das pessoas na localidade.
O projecto de Bolona é financiado pela Região de Piemonte, Itália, e pelo programa do melhoramento da produção agro-zootécnica na Ilha de Santo Antão. O trabalho técnico será executado pelo Departamento de Patologia Animal da Universidade de Torino, cuja missão chega a Santo Antão no próximo mês.
De recordar que outra iniciativa, igualmente de Santo Antão, (transformação de alimentos em Lajedos), esteve presente, este ano, numa feira mundial promovida pela Slow Food em Itália.

22 de outubro de 2007

Tangibilidades


















O mesmo cão peludo jogado a seus pés e aquele menino eterno que lhe pertence. A semana que começa quase sempre igual: melancólica, flutuante, intrigante, sem incisão. Diferente é a poesia, a música, e (l´amore ci cambia la vita): são sempre outros. Os caminhos também são novos, difinem-se sob perspectivas surpreendentes, fugindo da contramão. Uma vida normal... e propriamente especial.

Melancolia

Estado de alma (também físico) que nos deixa pouco actuantes, imobilizantes, aparentemente tristes, e nada espontâneos. Doce a melancolia que da saudade vive.

19 de outubro de 2007

Uma viagem espiritual

Um outro texto que ontem escrevi sobre este mesmo assunto, para um público diferente, leva, entretanto, o mesmo título, por razões que espero venha o leitor apreender.
O primeiro contacto, o primeiro choque: Centro missionário dos Capuchinhos na Cidade de Fossano, Itália. Pessoas, entre missionários e profissionais, que trabalham exclusivamente para Cabo Verde. Fazem tudo para manter dezenas de Jardins de Infância criados e patrocinados pelos Padres Capuchinhos. A falta de medicamentos, ou a avaria dos equipamentos no Hospital São Francisco, na cidade de São Filipe, na ilha do Fogo, mobiliza de imediato a equipa que empreende esforços faraónicos para solucionar os problemas. O trabalho periódico e voluntário dos médicos especializados para esse centro hospitalar, fundamental para a região Fogo e Brava, é outra ocupação dessa equipa que trabalha por Cabo Verde, sem falar das dezenas de jovens a especializarem-se e a formarem-se nas Universidades Italianas a cargo desse secretariado. A vinha de Chã das Caldeiras, o Centro social de Santa Cruz (na ilha de Santiago), o projecto em prol da energia renovável para Cabo Verde e a criação de uma produtora de televisão (Praia) são ideias novas que energizam o quotidiano dessa gente, soberanamente humana. Essa missão em Itália (gestão de projectos, financiamentos) faz a ponte local com a ASD (Associação para o Desenvolvimento), de cariz mais operacional.
A nossa viagem teve por objectivo conhecer os fundamentos de um projecto de fundação de uma produtora de televisão em Cabo Verde. O nosso primeiro projecto já está na forja: um documentário que conta a história incomensurável dos 60 anos de missão dos Capuchinhos em Cabo Verde. Um projecto espiritual imparável. Essa congregação religiosa, muito aberta e profundamente humana, fundou na Itália, há 25 anos, a Nova T, um centro de produção com centenas de produções documentais em países diversos, e com experiências também na área de ficção. A título de curiosidade, diria que o edifício que alberga a Nova T em Turim foi uma paróquia, onde Dom Bosco dispunha de um quarto para os seus momentos de repouso. Estamos em tempos medievais...

Mais do que experiências subjectivas, entendi ser pertinente dar a conhecer essa energia positiva que existe na região de Piemonte, Itália, em direcção a Cabo Verde. São famílias, personalidades, instituições que aprenderam a gostar destas ilhas e consideram-nas suas segundas casas.

Na volta

Escuto sem parar Danielle Pino, Renato Zero, Antonello Venditti, Luigi Tenco. Comigo veieram Per Nascere son nato de Pablo Neruda, e Le Settimane Sociali (1907 – 2007), Un confronto per la crescida dell, Itália, de Giovanni Quaglia . Outros momentos…

9 de outubro de 2007

Intangibilidades

1.
Repetidas vezes, em situações indefinidas, pensei em mudar de blog e trilhar novos caminhos no universo virtual, mas, quase sempre, dei conta das possibilidades de abordagens temáticas que este blog me permite, devido ao seu lato nome. Uma simplicidade que atravessa as minhas expressões mais existênciais, mas nem por isso se demite do circulo mais ao largo. Aqui já escrevi sobre tudo. Marcadamente sobre as minhas paixões: o jornalismo, a imagem, a poesia, a História, as estórias, a música, o cinema, a literatura, a minha ilha, o meu arquipélago e Salvador da Bahia. Nos próximos dias escreverei mais sobre o turismo e o ambiente. Primeiramente, por razões profissionais, mas também por uma necessidade imperativa de continuar a olhar e a tematizar as pequenas coisas. Penso igualmente levar estes momentos para outros espaços, falar para outros leitores, pensar em novos ângulos, com a condição de continuarem a ser apenas simples momentos.
2.
Durante uma semana, não garanto a minha presença nesta página, embora prometa esforçar-me para isso. Dentre outras coisas, terei o enorme privilégio de visitar o Museu do Cinema de Turim. Essa típica cidade italiana significou para o cinema, o que significa hoje o Hollywood americano.
3.
Existem horas únicas, imprevisíveis, improváveis, impensáveis e incompreensíveis que brotam sentimentos incapazes de ser. Laivos...
4.
Já se debate as vantagens e as desvantagens da nova política (?) de emigração europeia: o chamado cartão azul. Além de reivindicar a mão-de-obra qualificada, condiciona a mobilidade dos que chegam à Europa. Alguns eurodeputados defendem essa política em nome de um certo controlo demográfico. Blasfémia…

8 de outubro de 2007

As cores da minha terra

Terminou no final da semana passada o IIIº EITU (Encontro Internacional do Turismo), ocorrido na Ilha do Sal. Foram três dias de importantes reflexões sobre temas muito pertinentes, organizados pela UNOTUR (União nacional do operadores turisticos). O painel “Imobiliária Turística e Aquitectura em Cabo Verde”, da autoria do arquitecto Luis Carvalho foi a exposição que mais me tocou, e pensei, cá dentro, quão bom seria para Cabo Verde se tivéssemos muitos outros arquitectos com a sensibilidade desse filho de caboverdeanos nascido em Cabinda.
Muito perspicaz, o arquitecto começou a sua explananação com um trecho poético de Jorge Barbosa, para no final concluir, em analogia, que efectivamente andamos perdidos neste arquipélago. Retive da sua comunicação que toda a abordagem do espaço é complexa, porque atenta aos múltiplos elementos que o compõe: as pessoas e o seu modo de vida, as cores da terra, os ventos, o clima, os sorrisos, ou seja, qualquer intervenção a esse nível demanda uma arrojada disponibilidade estética. A arquitectura tradicional (ou se quisermos, as construções que os nossos pedreiros e mestres de obra sempre fizeram) não deve ser desprezada; ela tem uma razão, ou múltiplas razões de ser.
O espírito da comunicação de Luís Carvalho conduz à necessidade premente de um equilíbrio estético na construção urbana. Um resort não pode ser eficaz, nem bem-vindo, do ponto de vista ambiental e sociológico, se a vila que o recebe não tiver as condições desejáveis de saneamento, segurança e económicas. Esse equilíbrio que perpassa necessariamente a vida das pessoas, é fundamental numa perspectiva de desenvolvimento a longo prazo.
Quando o arquitecto vinha para Cabo Verde, no avião, perguntou a uma jovem caboverdeana se conhecia S.Francisco e ela respondeu, sim, uma praia linda, super interessante. O arquitecto insistia, e a jovem só falava da praia de mar. Para Carvalho, S.Francisco é, antes de mais, uma localidade com pessoas, com especificidades, mas que também dispõe de uma bonita praia. O caboverdeano está a perder a sua capacidade de observação, ou precisa ganhá-la. Precisa recuperar a sua sensibilidade estética, ou, de contrário, procurá-la.

27 de setembro de 2007

O ambiente, o turismo e a melodia















1.Praia Baixo, zona balnear situada a uma distância de 30 minutos da Cidade da Praia, vai ter “Casa do Mar”. Projecta-se para o espaço um centro de educação ambiental, para os formadores, virado para as tartarugas marinhas. Esse “laboratório vivo” será inaugurado em Abril do próximo ano, e todas as condições para isso já estão criadas. Projecto aprovado, financiamento garantido, parcerias, inclusive com o Oceanário de Lisboa. O professor da Universidade do Algarve, Nuno Loureiro, é o mentor desse projecto que nasceu no âmbito da geminação existente entre a Câmara Municipal de S. Domingos e o Município de Lagoas do Algarve. A ideia, segundo o professor, é criar riquezas endógenas, através de um turismo ecológico, e ao mesmo tempo contribuir para a consciencialização das populações face às ameaças ambientais, nomeadamente a protecção das tartarugas marinhas. Esse mesmo projecto abarca Achada Baleia, outra praia de desova das tartarugas na Ilha de Santiago. Nesse sítio, menos visitado pelos banhistas, vai ser construída uma reserva marinha.

2. De sessenta e tal mil turistas em 2001, se a memória não nos falha, aumentou para 280 mil, em 2006, a entrada de turistas em Cabo Verde. Um crescimento interessante e ao mesmo tempo intrigante. Precisamos de uma pesquisa que demonstre com que incidência essa gente regressa às nossas ilhas, e qual o seu grau de satisfação. Seria importante...
Os dados nos mostram que os italianos continuam a ser os que mais nos visitam, e que tem aumentado turistas do Reino Unido entre nós.

3. Comemora-se, hoje, o dia internacional do turismo sob o lema «O Turismo abre as portas às mulheres», escolhido pela Organização Mundial do Turismo (OMT). Em Cabo Verde, principalmente em Santiago, as praias continuam a ser devastadas. Todos os dias, quando a maré baixar, mulheres e homens lançam-se literalmente ao mar. Uns cavam e outras transportam na cabeça, em voltas incontáveis, uma média de 80 “banheiras” de areia, quantidade suficiente para encher um camião. Algumas andam nisso há mais de trinta anos...

4. Noto que as nossas rádios nunca deixaram de tocar Phil Collins...

19 de setembro de 2007

A emigração e o frio

















1. Creio que devemos fazer notar com preocupação as notícias que ontem deram conta do cerco que a Europa tem, vergonhosamente, fechado aos emigrantes. Desde criancinha que aprendemos, uníssono, a dizer que os cabo-verdianos, entenda-se pobres, saem para fora à procura de uma vida melhor. Portugal vai restringir-se à entrada de imigrantes com curso médio ou superior. França só admite poliglotas, ou seja o imigrante que, além da sua língua, domine o francês, além de criar barreiras ao agrupamento familiar. Será, certamente, mais comedido fechar os serviços consulares de visto, em vez de estar a zombar com a dignidade alheia.
A preocupação redobra quando um país de emigrantes (com e sem documentos), e, recorde-se, aberto ao mundo, queda em silêncio, e segue prestando colaboração no que se convencionou chamar “emigração ilegal”.

2. No rádio Djavan nos remete ao frio que vem lá do sul....

17 de setembro de 2007

N dour, Bergman e a minha canção

1. Yossou N dour actuou no Festival de Santa Maria, na Ilha do Sal, e regressou, ontem à noite, ao Senegal, depois de uma paragem de algumas horas na Capital. É a terceira vez que esse músico senegalês actua em Cabo Verde. A primeira foi no Club Naútico, em 1999, e a segunda no Fesquintal, Festival de Jazz, em 2002. Les super étoiles (a banda) disseram que no Sal foi tudo magnifique. No nosso segundo espectáculo chovia, lembra? E haveria de esquecer esse dia memorável! Perguntam se se conhece por cá o seu Live à Bercy, DVD gravado em 2005, em França, num espectáculo inesquecível. Claro, passa na TCV.
Poderia escrever, concretamene, sobre a forma nada apoteótica como conseguimos receber um dos artistas mais nomeados da actual arena musical africana. Mas não…
Youssou N dour começou na música em 1978, ao lado do exímio percussionista Babacar Faye, que continua com ele até hoje. Faye, além de percussionista, é o responsável pela animação dos momentos que intercalam os espectáculos. Yossou N´dour começou a atrair os holofones do mundo, depois do encontro com Peter Gabriel em finais dos anos 80. J´aime ta voix, foi esta a frase dita por Gabriel a N´dour, e que selou o início de uma longa parceria. Yossou N´dour é conhecido como o homem do mbalax, pela ousadia nos arranjos que, com os seus músicos, imprimiu a esse ritmo tradicional. Com o passar dos anos, algumas correntes mais puristas o tem acusado de um certo desvio universalista. Mas vale ressaltar, que esse músico possui outras grandezas, à par da sua arte. É considerado uma personalidade africana, pela forma descomplexada como assume as causas do continente negro.

2. Gosto de um filme, pelo sabor de sua história, e pela sua narrativa, seja ela linear ou não. Parece-me algo difícil de conciliar e admiro aqueles que o fazem com mestria. Aprecio as histórias do Bergman, a forma como ele reduz o ser humano à sua condição (exercício complexo): Um verão com Mónica, O Sétimo Selo, como exemplos; o seu distanciamento perante os detalhes existenciais é total. E consegue tudo isso com belos, e por vezes, longos planos, muito silêncio, toques de camera... Porque é que agora tem de ser tudo a velocidade de um chip?! Exemplo disso é o filme Firewall (2006) com Harisson Ford. Num enredo veloz desses, fica a história e as suas implicações actuais, mas dificilmente retemos as ambiências que sempre contam, para uma boa sessão de cinema.

3. Canção minha

Ligo o rádio e perco o controle do som,
momentos de aflição, aqueles.
Tudo regressa ao lugar,
quando oiço a canção que mora aqui dentro.

12 de setembro de 2007

Para além do trivial















Este texto dá-nos conta de uma parceria firmada entre a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) do Brasil. A notícia que era do meu conhecimento foi reforçada, em pormenor, com um e-mail cheio de saudades do Adenor Gondim. Para além de um post informativo, quero selar o meu contentamento por mais esta conquista da Uni-CV. Sem conotação alguma, como cantava o grande Cazuza.

Música, artes plásticas e dança vão ser as áreas privilegiadas da parceria entre a Uni-CV e a UFBA. Para além da Instituição, está Salvador da Bahia: a cidade mais negra fora da África, e tida como o elo que liga o Brasil ao Continente negro. Um espaço místico que, pelas suas especificidades históricas e culturais, funcionou sempre como uma espécie de convexo para as várias artes, a investigação, e outras experimentações.

A terra que deu ao mundo Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jorge Amado, Caribé (ilustração), Mãe Minininha, Dorival Caymmi, Gal Costa e muitos outros. A terra que pela sua complexidade sociológica acolheu imortais como o jesuíta Jorge Benci e os sociólogos Piérre Verger e Roger Bastide.

7 de setembro de 2007

Porto Madeira 2008

No próximo ano vai acontecer em Porto – Madeira, no Concelho de Santa Cruz, Ilha de Santiago, um mega encontro de arte. O projecto começou a ganhar corpo há um mês quando a artista plástica Misá organizou uma exposição de arte, inédita, na Cidade da Praia. Nesse evento, foi exposta uma diversidade de quadros, livros, fotografias, esculturas e discos, de vários pontos do mundo, à escolha dos participantes e amantes de arte. Ou seja, aqueles que aderiram ao projecto, levaram para as suas casas um objecto, que depois de uma semana deveria seguir para as mãos de um amigo em qualquer ponto do globo. O receptor da peça deve ser uma pessoa com sensibilidade e disponibilidade, de modo a não quebrar a corrente. O que quer dizer que todas as pessoas que recebem o objecto/arte devem proceder do mesmo modo. Neste blog os participantes devem deixar a sua opinião sobre o projecto, descrever o trajecto da peça, e deixar impressões outras. Depois de correr o mundo, a peça deve voltar a Porto Madeira até Agosto de 2008, para um encontro Transatlântico de arte. Há já alguns anos que a artista plástica Misá, através da ONG ABIDJAN, acalenta esta ideia, e agora as coisas parecem ter tomado um rumo. O objectivo desse projecto é incluir Porto Madeira no circuito artístico e turístico nacional, em parceria com outras organizações para o desenvolvimento, melhorando, em consequência, a vida das populações.

6 de setembro de 2007

A diluição do mercado

É no mínimo intrigante aquela publicidade da margarina Planta emitida diariamente na nossa TV pública. O leitor já viu? Uma família não cabo-verdiana a tomar o seu pequeno-almoço, com um ar de satisfação. Outra incompreensão é a voz off, anunciando a certificação do produto “nacional”, pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz.
O título acima foi a expressão encontrada para sintetizar esse quadro: um nonsense e puro descarte da inteligência dos consumidores. Se o spot, que em momento algum se refere ao mercado cabo-verdiano, contribui para a venda do produto, então algo está errado entre nós. O normal seria associar o produto a uma imagem nacional. Vejamos o exemplo da Coca-Cola. E caso a margarina Planta tenha escoamento no nosso mercado, sem o efeito da publicidade, que se prescinda dessa bizantinice.
Um cereal de marca Nacional é igualmente deste modo propagandeado nas nossas telas como sendo um “produto nacional”.
Falta de respeito e de atitude das partes envolvidas, respectivamente.

Exvanere

















O verde e o azul
O castanho de permeio
E o que esvai

5 de setembro de 2007

Grace Évora – full of grace

A imagem de um artista constrói-se num percurso e emerge num puzzle onde cada peça conta muito. Em primeiro lugar está a música, que pode ser boa ou má, ou simplesmente agradável, quando o artista não almeja mais do que isso. É nesse bojo médio e soft que se enquadra, dentro da música nacional, um artista como Grace Évora, por exemplo. Não se vislumbram nele outras ambições, que não a de agradar o vasto público com a sua música e, de olhos postos nessa meta, consegue, e muito bem, o seu tento. Grace, nome artístico, surgido de Gracindo é um filho de Salamansa, zona pescatória e pobre de S.Vicente. Na Holanda, fez-se músico, primeiro na bateria, depois com a voz no grupo Livity. Após a desintegração da banda (ora reerguida), Grace continuou activo na música com o grupo Splash e uma carreira a sólo. À par da música que sobrevive à merce do subjectivismo daqueles que a consomem, é nossa intenção realçar a imagem construída de Grace. Um indivíduo discreto, de gostos sóbrios, fala mansa, e senhor de bom coração, mais do que isso, um homem de bom feelling. Tudo isso é patente no balanço das suas melodias, definidoras de um estilo próprio e inconfundível. A sua voz, sem pretensiosismo, consegue agradar; os seus videoclipes, dentro da tabua-rasa estética nacional, não são de todo desprezíveis. Muito cedo, bem antes da febre di terra, soube valorizar o seu padoss di tchom e promover, à sua maneira. É o que ficou para nós, e para muitos fans, certamente, da imagem que Grace Évora vem construindo ao longo de uma carreira de quase duas décadas.

3 de setembro de 2007

A Família, o Renascimento, e o Poder

ExampleOuvir falar de Mário Puzo - 1920 -1999 (foto), conduz invariavelmente ao Padrinho (a saga da família Corleone), romance, adaptado ao cinema pelo realizador, Francis Capola. A abordagem da máfia italiana é retomada no último livro desse americano de origem italiana, A Família. Uma obra que narra a vida da lendária família Borgia, mais centradamente do cardeal Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre VI). Um livro fausto e perturbante sobre os primórdios da máfia na Itália. Puzo, valendo-se do seu conhecimento da Itália profunda e da história (em colaboração com o historiador Bert Fields) e de um árduo trabalho de elaboração, deixa para a posteridade “um livro fundamental”. Em plena peste negra na Europa do Séc. XIV, com a população a ser dizimada, os homens começam a perder esperança no poder celestial e depositam a sua confiança no imediatismo terreno. Pertencer à igreja católica romana não era necessariamente sinónimo de profecia de fé e temor a Deus. Era um meio de exercer o poder, para o qual, contavam todos os subornos e favores envolvendo a aristocracia e a cúpula da igreja. A família Rodrigo Bórgia marca o Renascimento. Subornos, incesto, ambição, assassínios, traição, conspiração e luxo são os meios através dos quais os reinos, o Vaticano, as Cidade-estados que hoje fazem parte da Itália e países como França e Espanha, chegaram, mantiveram o poder e estabeleceram alianças, a todo o custo.
Puzo retrata a saga de “mais uma família italiana”, através da guerra, da arte (Miguel Ângelo, Da Vinci...), da estratégia florentina do poder (Maquiavel) e da igreja, num livro único.

Segundo todas as aparências, dir-se-iam que apreciavam a companhia um do outro e um espectador não teria adivinhado o que ia no coração de cada um dos religiosos.Todavia o cardeal, sempre alerta e desconfiado dos Bórgia, recusou-se a beber o vinho, não fosse ter sido envenenado. Não obstante, vendo que o Papa comia com gosto, comeu também com fartura, pedindo apenas água fresca em lugar de vinho, pois a água era transparente e qualquer intenção menos clara não lhe passaria despercebida.Terminada o jantar, no preciso momento em que o Papa convidava o cardeal a reunir-se-lhe no escritório, o cardeal António Orsini agarrou-se ao estômago, amarfanhou-se na cadeira e caiu redondo no chão, com os olhos a rebolarem nas órbitas como os mares nos frescos das paredes dos aposentos do Papa. - Eu não bebi vinho, sussurou roucamente o cardeal
- Mas comeste os chocos com tinta – retorquiu o Papa
.
Nessa mesma noite o cardeal Orsini foi levado pelos guardas papais a fim de ser sepultado. Durante uma missa na capela, no dia seguinte, o próprio Papa proferiu orações pela alma do cardeal e mandou-o para o céu com a sua benção.”

Mario Puzo faleceu antes de terminar este livro, o que acabou por ser feito pela esposa, Carol Gino. Esta escreve no posfácio que “Mário sentia fascínio pela Itália renascentista e especialmente pela família Bórgia. Garantia que eles eram a família do crime original... Estava convencido de que os Papas tinham sido os primeiros Dons, sendo o Papa Alexandre, o maior de todos eles”.

13 de agosto de 2007

Até setembro

Example













Este blog entra de férias com a sua dona. Retira-se temporariamente do seu convívio, convicto de que o universo gira em redondo. A tal circularidade que está na origem dos regressos todos. Voltamos.

10 de agosto de 2007

A luz

Example
















(...)A farinha acumulou seu celeiro contigo
E cresceu incrementada pela idade venturosa,
Quando os cereais duplicaram o teu peito
Meu amor era o carvão trabalhando na terra.

Oh, pão tua fronte, pão tuas pernas, pão tua boca
Pão que devoro e nasce com luz cada manhã,
Bem-amada, bandeiras das fornadas,

Uma lição de sangue te concedeu o fogo,
De farinha aprendeste a ser sagrada
E do pão o idioma e o aroma.

Ilustração: Matisse
Poema: Neruda

9 de agosto de 2007

Medo da escuridão

Example







E sobre a conhecida máscara da arrogância de João Manuel Varela, misturada amiúde com rudeza, Corsino Fortes acredita que essa era, no fundo, a forma que o velho amigo «tinha de vencer a timidez». «O João era uma pessoa muito especial. Jovem, trabalhador na Drogaria do Leão, se o escuro chegasse sem ele estar em casa, nós (eu e o irmão Toi) tínhamos de ir buscá-lo porque ele não se atrevia a ir para casa sozinho. A escuridão era uma parte da vida dele, daí a sua poesia ter essa componente filosófica, ontológica...» Ler mais, aqui. Aqui também há mais:
Os blogs não ficaram de fora. Confira aqui e aqui.

8 de agosto de 2007

momentum

Todos já foram de férias, e percebi neste enxuto e agradável blog, que descobri esses dias, a intenção do seu dono de acompanhar a “manada”. O calor aumenta, as visitas reciprocamente tornam-se mais escassas (concordo), cai-nos o ânimo, e de permeio (como diz o poeta) surge uma nuvem triste que anuncia uma manhã qualquer, e uma vida de pão novo. A incandescência dos dias perde o brilho, os desencontros se instalam (filhos que partem), e tudo berra… é chegado o momento de se retirar, desfazer-se do pano, incubar-se e deixar-se renovar pelo novo. Tudo em circularidade, porque o fim inexiste.

Em memória da Joyce …perpétua amiga e companheira dos astros.

31 de julho de 2007

A crítica ao lócus claridoso

O Movimento Claridoso, que tanto paradigma marcou à Cultura Cabo-verdiana, em geral, e às letras das ilhas, em particular, gerou cedo críticas ao seu fundamento, embora o seu retrato aparente paire até hoje no imaginário dos cabo-verdianos.

Em 1951, Manuel Duarte criticou a Claridade, mais tarde, Amílcar Cabral (foto) analisou a obra dos Claridosos também numa perspectiva crítica. Há uma matriz nas críticas desses intelectuais. Todas elas têm a ver com o facto de que os Claridosos não teriam tido um pensamento agente, transformador da realidade política vigente. As entrelinhas dos críticos afirmam que os Claridosos não tiveram engajamento político. O texto “Consciencialização na Literatura Cabo-verdiana” de Onésimo Silveira marcou este momento dialéctico.

Mais recentemente, académicos como José Carlos Gomes dos Anjos e Gabriel Fernandes analisaram nas suas obras, sob perspectivas críticas e novas, o momento claridoso no debate da cabo-verdianidade.

Conheça as posições desses intelectuais, divergentes em vários pontos, hoje, no programa Claridade Incandescente, da TCV, após a telenovela Belíssima.

28 de julho de 2007

A reinvenção funciona?











Porque é que uma nação se volta ao passado para reinventar um futuro? Quem fala em nações, poderia falar de uma pessoa, ou até de uma banda musical. Há dias, numa entrevista ao sociólogo José Carlos Gomes dos Anjos, este respondia que "todas as nações fazem isso", reinventam passados de acordo com os seus interesses em presença e projectam o futuro. A conversa girava em torno da Claridade. Porque é que a elite política/intelectual que elaborou as primeiras críticas contra a Claridade, vem hoje proceder à sua sacralização? Serão interesses estratégicos, políticos, e económicos, entre outros, a motivar certas posições...

Desse nicho a outro, assistimos, em outros moldes, a uma outra reinvenção: o regresso do grupo musical Livity. Lembremo-nos que nenhum livro ou brochura sobre a música de Cabo Verde, dos inícios dos anos 90 a esta parte, se furtou de uma referência, ainda que fugaz, a essa banda. Marcou uma época, pela experimentação (estilização, fusão rítmica, influências assumidas) e representação (a mobilidade de Jorge Neto no palco, por exemplo), sem descurarmos da procedência dos seus integrantes (jovens filhos de emigrantes, ou que emigraram muito novos para a Holanda).

Dentro da música, também caseira, sabemos do já anunciado regresso do grupo Bulimundo. Este conjunto marcou, durante quase uma década, a música de Cabo Verde. Recriou e projectou, graças à liderança inicial de Katchás, e de forma continuada, com todos os integrantes da banda, o Funaná (rapicado e lento) e o Batuque. Mais: contribuiu para que uma boa parcela da identidade musical das ilhas ganhasse notoriedade e firmasse o seu lugar na história cultural deste arquipélago.
Foram, sem dúvida, contribuições marcantes, e que devem permanecer na memória colectiva dos cabo-verdianos e no panteão da Cultura de Cabo Verde.
A questão é saber se existe uma dose acertada de reinvenção, ou seja: até que ponto, e de que forma se deve fazer uso das glórias do passado? Não estaria nessa reinvenção a própria anulação desse passado? Essa volta poderá ser interpretada como ausência de perspectiva?

As respostas não são consensuais, mas são, decerto, todas válidas. Incitando, no mínimo, à reflexão.

24 de julho de 2007

O equilíbrio...

Há males que vêm por bem” é uma expressão corriqueira e muito fechada. Diz muito! O facto é que todos somos resistentes a ela e fugimos incessantemente dos seus tentáculos. Só depois da tempestade, bem depois, é que nos quedamos perante essa máxima. A vida comprova que os bens que vêm depois dos males têm um sabor especial, e é normalmente nessas experiências que paramos para pensar nos instantes, nos silêncios, e nos actos que nos fazem.
Essa máxima sintetiza a dialéctica circular da existência humana, e obriga-nos a reflectir sobre o real significado da palavra fim. Na verdade, reinventamo-nos a cada instante, e criamos o nosso próprio casulo com os erros e acertos que cometemos enquanto seres humanos falíveis, fracos, dependentes, carentes, tristes, e outras vezes fortes, maus, prepotentes, arrogantes e bestas. Há quem consiga o equilíbrio…

Melody

Quero cantar a tua canção/Until the end.

Saber-te

Muitas vezes me surpreendo querendo viver outras vidas. Gosto de me colocar no lugar dos outros... vivenciar em outra pele alguns sentimentos que são meus. Não sei se aquela voz em ti provoca arrepios... nem se gostas daquelas ruas e ladeiras. Não imagino o que sentes ao cruzar com ele na rua.... mas queria saber.

Outra vez...

…a canção.

Freefind

No report semanal do motor de busca, constatei, à exaustão, algumas palavras-chave, o que demonstra que alguém quer muito reler algum texto que escrevi aqui faz tempo. Queria apenas indicar o e-mail acima, e me disponibilizar a ceder todas as informações que aqui publico… O pá, não vou por aí.

23 de julho de 2007

a place for us

AQUI está o pão, o vinho, a mesa, a morada:
o ofício do homem, a mulher e a vida:
a este lugar corria a paz vertiginosa,
por esta luz ardeu a comum queimadura.

poem: Neruda

19 de julho de 2007

Gullar (ainda)


Jean d´Ormesson , citando Paul Valérie, disse, numa recente entrevista, que o escritor é motivado pela morte, e o jornalista tem na vida o seu motor. Essa afirmação levou-me de imediato aos poemas de Ferreira Gullar. O poeta que reinventa a morte.
Admiro a forma cerebral e natural como ele encara o sopro final à vida. Os poemas de Gullar saboreiam, em concreto, a vida, e cultivam intimidades com a morte. A sua abordagem do espaço, e de instantes é algo de conclusivo. Encanta-me de forma sublime o seu enquadramento da eternidade... nesse particular é emblemático como ele revisita incessantemente a atemporalidade da fotografia, enquanto registo, ou sujeito infinito.
Sente-se ainda nos poemas de Gullar alguma paixão frutal, às podres, inclusive. Amigos morrem/ as ruas morrem/ as casas morrem./ Os homens se amparam em retratos./ Ou no coração dos outros homens./ *

*Trecho do Improviso ordinário sobre a Cidade Maravilhosa (Rio)

18 de julho de 2007

Despedida

Eu deixarei o mundo com fúria.
Não importa o que aparentemente aconteça,
se docemente me retiro.

De fato
nesse momento
estarão de mim se arrebentando
Raízes tão fundas
quanto esses céus brasileiros.
Num alarido de gente e ventania
olhos que amei
rostos amigos tardes e verões vividos
estarão gritando a meus ouvidos
para que eu fique
para que eu fique

Não chorarei.
Não há soluço maior que despedir-se da vida.

Com esse poema final de Ferreira Gullar, Os momentos sela o seu profundo pesar pelas vítimas do acidente aéreo ocorrido, ontem à noite, em S.Paulo, Brasil. Morreram 170 passageiros e outros trabalhadores do prédio da Companhia aérea TAM, em que embateu o avião.

imagem: Sadness, Picasso

11 de julho de 2007

(Mal)dita Morabeza


Nunca paramos para pensar no simbolismo da palavra morabeza, o termo que, para muitos, caracteriza o modo de ser dos homens e mulheres destas ilhas. O certo é que sempre fugimos de aprofundar a semântica dessa expressão. Sem esforço suplementar, vê-se (lê-se) no cabo-verdiano morabi (uma expressão muito usada na Brava…será da morabeza?) um ser cordial, manso; um povo hospitaleiro e tudo o mais. Lá isso sempre fomos, se se reparar no modo aberto e doce como lidamos com os Europeus que nos visitam. Sim, porque com os nossos irmãos da Costa Ocidental Africana não somos tão morabis assim!... Numa sondagem, daremos conta que esses homens e mulheres do continente, ao contrário dos turistas do Norte, não nos acham morabis.
Não nos compete aqui avaliar, ou julgar a morabeza cabo-verdiana, mas sim demonstrar a sua inconstância e contextualizar a sua invenção. A duplicidade a que nos referimos comprova, apenas, que essa condição de morabi dos cabo-verdianos é uma construção até certo ponto mítica. Na concepção crítica do sociólogo José Carlos Gomes do Anjos, a "supercordialidade" empregando o termo de Gabriel Mariano (um dos maiores ideólogos da teoria da mestiçagem em Cabo-Verde) tem o seu ápice no Mindelo, considerado pelo sociólogo como o espaço de eleição para "o recrutamento de mediadores para o processo colonial".
Dos Anjos escreve que "a concepção do mestiço como cordial é um dos desdobramentos do mito da "evolução racial", que, opondo às virtudes da africanidade (a emoção) àqueles da europeidade (a intelectualidade), produz uma síntese que tem no porto do Mindelo e na sua pretensa morabeza o seu lugar simbólico e seu emblema – o lugar e o resultado do encontro cordial de raças”.
O discurso de Cabo Verde mestiço teve eco no seio dos intelectuais portugueses, e teve presença efectiva nas suas múltiplas abordagens em relação a Cabo Verde.
Aos 32 anos depois da proclamação da Independência, continuam de pé (e vão surgindo mais) as máquinas de lavagem a reproduzir a tão aclamada morabeza crioula. É por essas e outras que o poeta Kauberdiano Dambará diz que a ilha da Madeira, graças ao autonomismo do tipo João Jardim, é muito mais independente de Portugal do que Cabo Verde. Afirmação controversa, mas que não deixa de demandar alguma reflexão.
Foto origem

6 de julho de 2007

Gabo para os amigos

ExampleGabo é o nominho de Gabriel García Márquez, o autor de Cem anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera e outras nomeadas. Num jantar com amigos e familiares, recebeu uma repórter da revista brasileira Caros Amigos para uma conversa, o que foi considerada pela publicação nada mais, nada menos do que um furo fantástico. E é, de facto, se lembrarmos que o Prémio Nobel da literatura de 1982 não tem dado entrevistas faz tempo. A conversa aconteceu em Cartagena de Índias, Colômbia, cidade onde García Márques nascera há 80 anos, e não pisara há anos. Transcrevo em baixo umas linhas cheias de encanto da entrevista que García Márques concedeu à jornalista Ana Luiza Moulatlet (Foto).

Respeito sacramental

"(…) Foi um momento único. Afinal de contas, Gabo nem mais telefone quer atender. A única pessoa com quem ainda fala na linha é Mercedes, sua esposa, com quem vive no México. E porque Gabo está de volta? Quem responde primeiro é seu velho amigo Bernardo Hoyos, único a quem ele dedica, entre os 19 participantes do jantar, dois beijos no rosto. “Todos os amigos do Gabo ou morreram ou estão morando longe, na Europa”. Por exemplo: o escritor Carlos Fuentes, de quem gosta há muito tempo, está morando em Londres. Aqui em Cartagena ele tem dois amigos inseparáveis: o Jaime Abello e o seu irmão Jaime Garcia Marques.
Mas quem é Gabo para seu velho amigo? “Conheço-o desde os anos 50. Posso te dizer que é uma pessoa com uma determinação e um rigor muito acima do que qualquer outra. É rigoroso até com sua ficção e fantasia. Se exige muito, é muito autocrítico. Venceu e voou tão alto porque, eu vi isso acontecer, desde os anos 50 já sabia que é um grande escritor. Mas tem alguma mágoa, por exemplo, do finado escritor argentino Jorge Luís Borges. Borges foi muito injusto com Gabo. Eu o conheci, e ele disse uma vez que “a obra de Gabo é boa somente nos seus primeiros 50 anos”, e acho que isso deixou Gabo muito magoado.
Qual a obra literária que Gabo gostaria de ter escrito? “Ele sempre me disse esses anos todos que a obra que gostaria de ter escrito era Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo, um livro que sem dúvida muito o influenciou na confecção de Cem anos de Solidão”, responde, de pronto, Bernado Hoyous. E qual a obra que ele mais gostou de ler? “Foi Grande Sertão: Veredas, do brasileiro João Guimarães Rosa. É o livro que ele mais admira em toda a sua vida”, diz Hoyos. (…)"

In: Caros Amigos, Junho 2007

4 de julho de 2007

Pontes em mim... o que junta

Tenho uma disposição particular para momentos e atitudes que emergem de encontros. Nesse bojo entram as artes, nas suas múltiplas manifestações, a cultura, em si como matriz identitária, e outras confluências.
Neste momento, percebe-se que a música de Cabo Verde tem sido a variante mais utilizada para a universalização da "coisa" cabo-verdiana. O disco Das Ilhas Mestiças do bandolinista brasileiro Rodrigo Lessa, é exemplo disso. São treze sons musicados num espírito eminentemente marítimo, porque nos transporta de Cabo Verde, mais precisamente do Calango Mindelo (a primeira faixa do disco) para o Brasil, de onde seguimos viagem para Cuba e Caribe.
No disco, Lessa legitima esse diálogo cultural com motivos históricos que, como sabemos, fazem de nós “seres atlânticos”. Um mundo com suas "afinidades e diferenças".
O disco contou com a participação dos cabo-verdianos Toy Vieira e Vaiss. A brisa caribenha do disco surge do trompetista cubano Júlio Padron. E nunca é demais acrescentar que Das Ilhas Mestiças contou com a participação especial de João Donato, o homem d´a paz.*

...A paz fez o mar da revolução
Invadir meu destino, a paz

Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
...

* João Donato escreveu essa canção em parceria com Gilberto Gil e este interpretou-a maravilhosamente.

26 de junho de 2007

Poema de amanhã

(...) - Mamãe!

Sonho que, um dia,
Estas leiras de terra que se estendem,
Quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio ou Santana,
Filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,
Serão nossas. (...)
ilustração: Mãe preta de Lasar Segall, 1930
poema: Poema de amanhã de António Nunes, 1945

25 de junho de 2007

Casas do Sol

















Este empreendimento turístico, à semelhança das construções tradicionais cabo-verdianas, fica em S.Filipe-Fogo, anexo ao Centro Sócio Sanitário S.Francisco, numa zona chamada Cutelo de açúcar, onde decorriam, num passado recente, as corridas de cavalo durante a Bandeira de S.Filipe. Quem não vai ao Fogo, há muito tempo, não consegue imaginar o paraíso erguido naquele chão, sem falar dos serviços médicos e das acções solidárias ali desenvolvidas…
Casas do Sol, sobranceiro a um extenso e envolvente mar, inaugura o turismo solidário na Ilha. É um dos projectos da Associação Solidária para o Desenvolvimento (ASD), apadrinhado pelos Padres Capuchinhos, criado para dar sustentabilidade ao Centro sócio – sanitário S.Francisco.
Divulgue esta ideia!